A Presidência da República editou uma medida provisória que cria um apoio financeiro de R$ 60 mil para crianças de até 10 anos que nasceram com deficiência causada pelo vírus zika durante a gestação (MP 1.287/2025). Ela foi publicada no Diário Oficial da União desta quinta-feira (9).
Essa medida provisória é uma alternativa à proposta de indenização e pensão, para esses mesmos casos, que havia sido aprovada pelo Congresso Nacional em 2024 — mas que foi totalmente vetada por Luiz Inácio Lula da Silva também nesta semana.
O novo benefício enviado por Lula pela MP 1.287/2025 ainda depende de disponibilidade orçamentária e de regras a serem elaboradas em conjunto por Ministério da Saúde, Ministério da Previdência Social e INSS.
Quem já recebe indenização semelhante concedida por decisão judicial não poderá acumulá-la com o novo apoio, mas poderá optar por um dos dois.
O valor será concedido uma única vez. E não será considerado como renda para os critérios de recebimento do Bolsa Família e do Benefício de Prestação Continuada (BPC). O BPC é um benefício que atende, entre outros, pessoas com deficiência (PCD) de baixa renda.
A medida provisória valerá no máximo até maio. Até lá, senadores e deputados federais devem decidir se transformam a norma em lei para torná-la permanente.
Texto vetado
Outra opção para os parlamentares é derrubar o veto de Lula do PL 6.064/2023. O projeto foi originalmente apresentado pela senadora Mara Gabrilli (PSD-SP), em 2015, quando ela ainda era deputada federal.
A redação aprovada pelo Congresso Nacional, no final do ano passado, não estabelecia um limite de idade para os beneficiários.
O texto previa indenização única por danos morais de R$ 50 mil e uma pensão paga mensalmente até o fim da vida de R$ 7.786,02, o que equivale ao teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Ambos os valores seriam corrigidos pela inflação (pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor) e seriam livres de imposto de renda.
A pensão vitalícia vetada poderia ser acumulada com benefícios previdenciários de até um salário-mínimo e com o BPC. E a revisão a cada dois anos exigida para a PCD continuar recebendo o BPC seria extinta para os casos de deficiência causada pelo vírus zika na gestação.
Além disso, o projeto aumentava em 60 dias o direito à licença-maternidade e ao salário-maternidade de mães (inclusive para as adotivas) de crianças nessas condições, e em 20 dias o direito à licença-paternidade.
A autora do projeto declarou à Agência Senado que não medirá esforços para a derrubada do veto. “É estarrecedor que, após dez anos de luta e espera, essas famílias sejam silenciadas com uma simples canetada do presidente Lula. Mais triste ainda é o fato de que essas famílias nem sequer foram ouvidas pelo governo; nunca foram procuradas para que suas reais necessidades no cotidiano e no tratamento de suas crianças fossem compreendidas”, disse a senadora.
Mara Gabrilli acrescentou que a edição da MP 1.287/2025, que prevê apenas uma parcela única de R$ 60 mil, é “uma afronta à dignidade dessas famílias”.
Justificativa do veto
Na mensagem em que justifica o veto, a Presidência da República aponta, entre outros problemas, que a proposta “cria despesa obrigatória de caráter continuado e benefício tributário e amplia benefício da seguridade social, sem a devida estimativa de impacto orçamentário e financeiro, identificação da fonte de custeio, indicação de medida de compensação e sem a fixação de cláusula de vigência para o benefício tributário”.
O governo também argumenta que, “ao dispensar da reavaliação periódica os beneficiários do benefício de prestação continuada concedido em virtude de deficiência decorrente de síndrome congênita associada à infecção pelo vírus Zika, a proposição diverge da abordagem biopsicossocial da deficiência, contraria a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e cria tratamento não isonômico em relação às demais pessoas com deficiência”.
Famílias criticam
“O culpado pela deficiência dos nossos filhos é o Estado Brasileiro e, por isso, é preciso que nos deem o mínimo”. O relato é de Germana Soares, vice-presidente Nacional do UniZika Brasil, que protesta contra o veto presidencial.
Ao GLOBO, Germana, mãe de Guilherme, de 9 anos, criticou o valor de R$ 60 mil e afirmou que o governo é incapaz de oferecer o mínimo, já que o Estado foi o “culpado pela deficiência das crianças”.
“ O valor de R$ 60 mil não paga nem uma cirurgia ortopédica das inúmeras deformidades que nossos filhos têm. Isso não é suficiente. A deficiência dos nossos filhos foi provocada, e não por genética ou falha médica. Foi um racismo ambiental, pois ficamos vulneráveis ao mosquito que não foi controlado pelo governo. Tudo isso é culpa do Estado Brasileiro. É preciso que nos deem o mínimo”, disse a vice-presidente Nacional do UniZika Brasil.
Luciana Arraes, presidente do UniZika Brasil e mãe de Ana Lis, destacou a frustração com o veto do governo. Segundo ela, a MP editada para substituir o projeto de lei não atende às necessidades reais das famílias.
“O Presidente Lula cometeu um erro irreparável ao vetar integralmente o projeto. Nós, mães, estamos extremamente tristes, frustradas e decepcionadas com o governo. Eles tomaram a decisão de elaborar essa medida provisória por conta própria, sem ouvir as reais necessidades das mães e das famílias. A luta, no entanto, não vai parar. São quase 10 anos de negligência, descaso e esquecimento dessas famílias. Se Deus permitir, vamos conseguir derrubar esse veto no Congresso Nacional”, afirma.
Ver essa foto no Instagram