Em entrevista concedida neste domingo ao jornal O Globo, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, abordou temas centrais que envolvem a atuação da Corte, o julgamento dos envolvidos nos de 8 de Janeiro, o papel do ministro Alexandre de Moraes, as críticas externas ao Supremo e a discussão sobre abusos de benefícios no Judiciário.
Sobre as pressões para reavaliar as punições impostas aos réus do 8 de Janeiro, Barroso foi taxativo: “Eu não ligo para pressão, embora não seja indiferente ao sentimento social. O Supremo aplicou a legislação editada pelo Congresso nos julgamentos do 8 de Janeiro.”
Ao ser questionado sobre a possibilidade de anistia, Barroso se posicionou de forma firme: “Eu não ligo para pressão, embora não seja indiferente ao sentimento social. O Supremo aplicou a legislação editada pelo Congresso nos julgamentos do 8 de Janeiro. A solução para quem acha que as penas foram excessivas é uma mudança na lei. Não acho que seja o caso de anistia, porque anistia significa perdão. E o que aconteceu é imperdoável. Mas redimensionar a extensão das penas, se o Congresso entender por bem, está dentro da sua competência.”
Ele explicou que alterações legislativas poderiam, sim, afetar os casos já julgados, dependendo do que for aprovado pelo Congresso: “se a lei disser que não se acumulam (os crimes de) golpe de Estado com a abolição violenta do Estado de Direito, ou, em vez de tratar como crimes distintos, prever apenas um aumento de pena, isso importaria em uma redução. E teria incidência imediata. Estou dizendo uma possibilidade. Não cabe a mim essa decisão, e sim ao Congresso.”
Apesar de reconhecer a boa relação com o presidente da Câmara, Hugo Motta, Barroso esclareceu que não há tratativas específicas com o STF sobre o projeto de anistia:
“Estamos abertos a conversar sobre todas as questões que ele considera importantes. Mas sobre a anistia, especificamente, não temos conversado.”
Segundo o ministro, “na maior parte dos processos (do 8 de Janeiro) ainda nem aconteceu a condenação, e muito menos me parece que seja o caso de perdão.”
Quando indagado sobre a possibilidade de o próprio Supremo rever penas já impostas, Barroso foi direto: “Do ponto de vista do Direito vigente hoje, penso que não.”
O presidente do STF também comentou o andamento da ação contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, acusado de envolvimento em uma suposta trama golpista. Disse que seria desejável concluir o julgamento ainda este ano, “desde que compatível com o processo legal”, mas ponderou: “Ainda é preciso ouvir as testemunhas, produzir provas e saber se é possível julgar este ano.”
Para Barroso, é importante evitar que decisões judiciais coincidam com o período eleitoral: “Porque são decisões que impactam o momento eleitoral. É melhor que as questões de Direito sejam julgadas em um ambiente não eleitoral.”
Sobre as acusações de aliados de Bolsonaro de que o Supremo estaria cometendo excessos, Barroso minimizou: “A vida virou uma representação para cortes na rede social.”
Ele argumentou que a proibição de filmagens em sessões foi para evitar ‘distorções’ e que, em relação à citação de Bolsonaro na UTI, o entendimento foi claro: “Se o (ex) presidente podia participar de lives, poderia receber citação. Ou você está inabilitado por razões de saúde para participar de atividades públicas ou está habilitado. Não pode estar para certas coisas e não para outras.”
O ministro também elogiou o colega Alexandre de Moraes, alvo constante de críticas da oposição: “Ele desempenhou muito bem esse papel, com coragem e custo pessoal imenso.”
Barroso destacou que “as decisões dele têm o apoio expressivamente majoritário do Supremo” e afirmou que “a análise geral de como ele conduziu as coisas é extremamente positiva e acho que ele serviu bem ao país.”
Ao tratar da crítica feita pela revista inglesa The Economist sobre o excesso de poder e visibilidade dos ministros do STF, Barroso rebateu afirmando: “O Supremo desempenha o papel que a Constituição atribuiu a ele. Nem mais, nem menos.”
Para o presidente do STF, existe uma narrativa construída por extremistas para deslegitimar o tribunal: “A afirmação é absurdamente falsa.” Segundo ele, as críticas sobre suposta interferência do Supremo nos demais Poderes geralmente decorrem da insatisfação com decisões específicas: “Não posso me abster de decidir porque o Congresso não legislou.”
Sobre a relação entre Judiciário e Congresso, Barroso negou que existam ataques institucionais: “Não acho que o Congresso tenha feito investidas contra o Supremo.”
Ele disse que vê o Parlamento como “uma caixa de ressonância das preocupações da sociedade” e defendeu a importância do debate institucional. O ministro ressaltou, porém, que o que o preocupa é “o extremismo, a atuação antidemocrática.”
A respeito de gastos no Judiciário, o presidente do STF reconheceu que existem problemas em tribunais estaduais, mas defendeu a Justiça federal:
“No Judiciário federal, não acontece nenhum tipo de abuso.” Barroso admitiu que se sente incomodado com eventuais abusos:
“Como cidadão, sempre que vejo um abuso, eu me sinto infeliz.” No entanto, fez a distinção entre práticas legítimas e ilegítimas e reiterou que o orçamento do Judiciário é respeitado: “Não gastamos além do previsto.”
Questionado sobre a segurança do Supremo após “ameaças”, especialmente durante o recebimento da denúncia contra Bolsonaro, Barroso afirmou que “aumentaram muito” as mensagens agressivas, mas que não acredita em risco físico iminente.
Sobre as grades que cercam o prédio do STF, recolocadas após ameaças de bomba, Barroso demonstrou otimismo: “O extremismo vai sendo progressivamente empurrado para a margem da História.” Ele revelou que espera retirar as grades “em breve, ainda na minha gestão.”
Barroso também falou sobre sua própria trajetória e o futuro após o fim de seu mandato na presidência do STF, previsto para setembro: “Não tenho nenhum compromisso. Nem de sair nem de ficar.” O ministro disse estar “um pouco cansado”, mas feliz. (Foto: STF; Fonte: O Globo)