Tema que está em análise no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal (STF), o chamado ‘marco temporal’ para reconhecimento de terras indígenas criou um impasse. Nessa quinta-feira (21), o tribunal alcançou maioria de votos para a tese de que o marco temporal é inconstitucional. O Senado, em sentido contrário ao do STF, analisa o projeto de lei que fixa o marco temporal em 5 de outubro de 1988, dia da promulgação da Constituição Federal.
Para o líder do governo no Senado, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), há grande pressão política e social em relação à questão. Ele afirmou que o governo vai buscar um acordo, com possíveis mudanças no texto que foi aprovado pela Câmara.
“Não me parece de bom tom nós confrontarmos uma declaração de inconstitucionalidade do Supremo Tribunal Federal com um projeto de lei que flagrantemente será inconstitucional”, opinou Randolfe.
O tema vem repercutindo no Plenário do Senado com apoios e críticas. Na sessão deliberativa da quarta-feira (20), os senadores Plínio Valério (PSDB-AM), Zequinha Marinho (Podemos-PA), Vanderlan Cardoso (PSD-GO), Dr. Hiran (PP-RR), Carlos Viana (Podemos-MG), Jorge Seif (PL-SC), Margareth Buzetti (PSD-MT) e Jayme Campos (União-MT) pediram a aprovação do texto da Câmara.
Plínio Valério afirmou que o STF “ está legislando sobre o marco temporal”. “A nossa Constituição acha que foi 5 de outubro de 1988 e a Constituição é clara quando ela considera terras indígenas aquelas ocupadas até aquele momento da promulgação. São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e por eles habitadas em caráter permanente”, disse Plínio.
Zequinha Marinho apoiou a aprovação do projeto do marco temporal como garantia de segurança jurídica para todos os produtores rurais. Sem um prazo, avaliou ele, qualquer área do território nacional poderá ser requerida por povos indígenas. Ele disse que 14,1% do território brasileiro já está demarcado como terra indígena.
“O PL 2.903 visa resolver os conflitos hoje existentes através da previsibilidade jurídica garantida pelos critérios objetivos, que criam mecanismo de pacificação com reconhecimento da propriedade rural, alinhado aos 119,8 milhões de hectares de terras indígenas, o que demonstra que a consolidação do marco temporal não prejudicará os usos e costumes indígenas, dado que já existe um amplo e espaçoso território já demarcado”, afirmou Zequinha.
Em contraponto, os senadores governistas Humberto Costa (PT-PE) e Leila Barros (PDT-DF) defenderam o respeito à decisão do STF. Humberto Costa avaliou o projeto como “cheio de vícios de constitucionalidade” e disse que, na prática, vai inviabilizar a demarcação de novos territórios indígenas.
“É uma matéria que agride a Constituição Federal e o seu espírito cidadão; é preconceituosa, porque é dirigida sob medida contra os povos indígenas; é um erro histórico, no momento em que falamos da Amazônia e combate à desigualdade”, avaliou Humberto Costa.
Leila Barros pediu que o projeto seja analisado também pela Comissão de Meio Ambiente (CMA), presidida por ela.
O projeto
O PL 2.903/2023 foi aprovado na ‘Comissão de Agricultura e Reforma Agrári’a (CRA) no mês passado e agora espera votação na ‘Comissão de Constituição e Justiça’ (CCJ). Em seguida, caberá ao Plenário votar a decisão final. O relator na CCJ é o senador Marcos Rogério (PL-RO).
“É uma decisão que gera insegurança jurídica no campo e, se aplicada como está, pode comprometer cidades. O Parlamento precisa concluir a lei do marco temporal e devolver a tranquilidade ao país”, disse.
O presidente da bancada em defesa do produtor rural, deputado Pedro Lupion (PP-PR), chamou de “grave e preocupante” a decisão do STF, e afirmou que sua bancada conseguirá aprovar o projeto de lei no Senado, além de PECs sobre o tema no Congresso.
“A frente parlamentar da agropecuária vai aprovar o marco temporal no Senado na próxima semana e vamos correr com a PEC na Câmara, no Senado, para darmos segurança jurídica para os produtores rurais”, afirmou.
A proposta, que ficou mais conhecida como PL 490/2007, foi aprovada pela Câmara dos Deputados no final de maio, após tramitar por mais de 15 anos. Na CRA, o projeto recebeu voto favorável da relatora, senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS).
Ela disse estar “convicta de que a data da promulgação da Constituição federal, de 5 de outubro de 1988, representa parâmetro apropriado de marco temporal para verificação da existência da ocupação da terra pela comunidade indígena”.
De acordo com o texto, para que uma área seja considerada “terra indígena tradicionalmente ocupada”, será preciso comprovar que, na data de promulgação da Constituição Federal, ela vinha sendo habitada pela comunidade indígena em caráter permanente e utilizada para atividades produtivas. Também será preciso demonstrar que essas terras eram necessárias para a reprodução física e cultural dos indígenas e para a preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar.
Na audiência pública que precedeu a votação da proposta na CRA, lideranças indígenas condenaram o projeto, afirmando que os riscos vão além da demarcação de terras. Representantes do governo também se posicionaram contra a aprovação, sustentando que o texto avançou sem consulta aos povos indígenas e pode causar mais insegurança jurídica.
Na Câmara, deputados contrários ao marco temporal afirmaram que a aprovação do projeto seria uma ‘ameaça aos direitos dos povos indígenas’ e traria ‘prejuízos’ à preservação ambiental. Indígenas chegaram a chamar a decisão de genocídio.
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