O técnico da Seleção Brasileira de Futebol, Tite, e o seu auxiliar, Cléber Xavier, concederam entrevista exclusiva ao jornal O Estado de São Paulo, divulgada nessa quarta-feira (24) no portal de notícias do veículo.
Tite tratou de futebol, futuro após a Seleção Brasileira e, evidentemente, Copa do Mundo. Mas também Ao ‘Estadão’, treinador reafirma que não irá a Brasília caso ganhe o hexa, prefere não divulgar suas preferências políticas por causa do cargo que ocupa. Entretanto, em 2012, após o título mundial do Corinthians, o técnico Tite visitou Lula, quando o petista ainda era presidente. Confira abaixo os trechos da entrevista relacionados ao assunto.
Estadão: Vivemos em um País no qual a política está em efervescência, sobretudo agora, às vésperas da eleição para presidente. Por que a comunidade do futebol não se envolve em política?
Tite: Democraticamente, a gente deve respeitar as posições de cada um. E, democraticamente, a gente tem de respeitar as opiniões de não emitir opiniões. O que eu entendo de futebol? Que cada pessoa, individualmente, tem todo o direito de se manifestar no seu particular. Se eu externar as minhas preferências ou aquilo que eu entendo no aspecto político, vou estar expondo o meu cargo ainda estando técnico da seleção brasileira e daqui a pouco ele reverbera mais e eu não me dou esse direito. O direito que me dou é dar o melhor no trabalho e a seleção brasileira é um patrimônio cultural e educacional, não é partidário. Então, devo ter essas percepções educacionais de que forma ética o técnico se comporta e de que forma que nós, enquanto comissão técnica, nos conduzimos. E não fazer do cargo que ocupo alguma coisa que possa ecoar mais. Eu tenho noção exata de que o técnico da seleção ecoa mais do que o Adenor. O Adenor tem a sua voz e o seu voto, mas na seleção ele vai ter de ter a grandeza de fazer o melhor trabalho possível em cima da responsabilidade de trazer uma Copa de volta. Essa é a essência. Faço das minhas as palavras do Marquinhos (zagueiro): que cada um se manifeste. Essa é a minha opinião. Manifeste-se no seu particular e vamos colocar na seleção a vontade, o ânimo, a dedicação, a competência e o amor para chegar na final como o primeiro objetivo e para sermos campeão depois. Talvez o nosso comportamental fale mais do que qualquer palavra.
Cléber (auxiliar): Eu não sei por que os atletas de futebol não se manifestam, não posso falar pelos outros. Eu posso falar por mim, tenho as minhas posições e elas sempre foram claras. Quem é meu amigo e me acompanha, sabe como me posiciono. Mas a partir do momento em que a gente chega à seleção, parei porque a gente chega num momento muito difícil e o foco foi essa busca pelo trabalho. O Brasil entra numa turbulência política e a gente resolve ficar trabalhando em cima do nosso objetivo, fazendo futebol, esse grande caminho para a educação, que é o que a gente entende, mas não nos manifestamos para não criar mais burburinho e uma saída de foco. Continuo me posicionando no meu íntimo, dando o meu voto àquelas pessoas que acredito que vão me representar no quesito político, mas não me posiciono abertamente.
Estadão: Vocês ficariam desconfortáveis de desfilar em Brasília, caso o Brasil ganhe o hexa após as eleições para presidente, como aconteceu em 2002, depois do penta?
Tite: Eu dei uma resposta em 2017 e ela continua a mesma. Quando o presidente era o (Michel) Temer, disse que não iria nem na ida nem na volta, se perdesse ou ganhasse. Às vezes, com o tempo, a gente a gente modifica, reformata algumas posições, mas essa resposta continua a mesma.
Nota: além dessa entrevista citada por Tite, em 2018, durante treinamento da Seleção, o treinador afirmou que não participaria de uma festa do título com a presença de um presidente da república, como fez o Palmeiras naquele ano, quando Bolsonaro havia acabado de ser eleito. “Não. Continuo com a mesma opinião, minha atividade não se mistura, não mistura. Eu tenho opinião, mas não quero e não devo dar opinião (sobre a presença de Bolsonaro em campo). Tem uma série de valores éticos, morais e competitivos”, disse ao ser questionado sobre o assunto em entrevista coletiva na Granja Comay.
Estadão: Um dos maiores símbolos da seleção sempre foi a camisa amarelinha. Hoje, existe a impressão de que ela foi apropriada por um grupo político (do presidente Jair Bolsonaro). É comum ver nas ruas pessoas falando que não vão usar a camisa do Brasil. Não te incomoda ver um símbolo tão importante da seleção ser politizado dessa maneira?
Tite: Eu tenho visto que, por parte de uma geração mais jovem, de crianças e adolescentes, essa situação não vinga. Ela é do amor pela seleção, verdadeiramente da torcida. Quando o cara está mais cascudo, já com a cabeça feita, ele está com os seus caminhos, está pré-estabelecido e fica de boa. Eu quero ficar voltado a esse simbolismo da criança de ser um exemplo educacional, de ser exemplo do esporte como uma ferramenta em que tu possas ser melhor que o adversário, mais competente, como uma série de valores porque fui educado no esporte dessa forma, de ter essas percepções e entender que para essa garotada mais jovem esse simbolismo não existe.
Cléber (Auxiliar): A camisa da seleção tem uma representatividade no mundo inteiro. A camisa da seleção é da seleção e é de todos os brasileiros. Ela não representa um grupo A ou B. Eu penso dessa maneira.
Estadão: Um dos momentos mais tensos na sua trajetória à frente da seleção foi a disputa da Copa América com mudança de sede para o Brasil em meio à pandemia de covid. Houve até um manifesto dos jogadores naquela ocasião. Como foi controlar aquela situação?
Tite: Conseguimos controlar dentro do ambiente, com transparência. A gente queria priorizar os dois jogos das Eliminatórias importantes, contra o Equador em Porto Alegre e diante do Paraguai fora, para depois nos manifestarmos publicamente. Os atletas têm liberdade. Eu não tenho absolutamente nenhuma pretensão de direcionar qualquer comportamento e manifestação dos atletas. Antes dessa manifestação houve uma reunião com seis atletas-lideranças da equipe comigo e com o Juninho (Paulista, coordenador) para que nos manifestássemos diretamente ao (então) presidente (da CBF, Rogério Caboclo) para que não acontecesse a Copa América no Brasil pelo constrangimento que nós estávamos tendo em relação ao número de mortes que estavam acontecendo e em relação ao momento e à situação toda. Isso tudo foi colocado. Isso tudo foi manifestado, inclusive logo após o jogo por parte de alguns atletas, mas anteriormente também já tínhamos falado. Se fosse determinado que jogássemos, a gente iria fazer da melhor maneira possível.