Lotação, celas, depressão, refeições: a situação dos detidos em Brasília após 8 de janeiro

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Representantes da Defensoria Pública da União (DPU) e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, debateram a situação prisional e os encaminhamentos para os detidos pelos atos em Brasília (DF), em 8 de janeiro. O tema foi pauta de uma reunião no gabinete da presidência da Corte nessa quarta-feira (24).

Durante a reunião, a comitiva da DPU entregou um relatório sobre a atuação da instituição em relação aos presos durante o 8 e 9 de janeiro. O documento também aponta as condições prisionais encontradas durante vistorias e visitas técnicas de defensores públicos federais ao sistema prisional do Distrito Federal, que recebeu os detidos nos atos.

“Pontuamos para o ministro Alexandre de Moraes a força-tarefa criada pela DPU para levar assistência jurídica para a população vulnerável presa durante os atos. A nossa instituição cumpriu o seu papel constitucional, em total observância aos princípios de proteção à dignidade humana e visando à garantia dos direitos das pessoas”, afirmou Fernando Mauro, defensor público-geral federal em exercício.

As condições dos presos, segundo a DPU
Superlotação, problemas estruturais e falta de comunicação da prisão com familiares ou pessoa indicada. Esses foram alguns pontos destacados em relatório sobre as condições prisionais encontradas na atuação relacionada aos atos em 8 de janeiro.

O documento foi produzido pela Defensoria Pública da União (DPU), Defensoria Pública do Distrito Federal (DPDF) e Mecanismo Nacional de Prevenção à Tortura (MNPCT). As instituições atuaram tanto na inspeção das unidades prisionais que receberam as pessoas detidas em flagrante, quanto na realização das audiências de custódia, momento em que as pessoas presas foram levadas à presença de um juiz.

No relatório, os defensores destacam que os problemas já eram enfrentados pelo sistema prisional do Distrito Federal antes das prisões pelos atos. É caso, por exemplo, da superlotação do local.

Além disso, o documento aponta que não foi observado o prazo de 24 horas para realização das audiências de custódia. Os defensores destacam que, em alguns casos, as pessoas foram apresentadas em juízo cerca de seis dias após a prisão.

“Não se pode negar que a situação vivenciada foge à normalidade, em razão da detenção de um grande número de pessoas em curto intervalo de tempo, com encaminhamento ao sistema prisional de um único ente da federação, no caso o Distrito Federal. Entretanto, considerando que grande parte das audiências de custódia foram por meio virtual […] não se justifica o excesso de prazo na apresentação dos custodiados ao Judiciário para realização das audiências de custódia”, diz parte do relatório.

O relatório ainda destaca que não houve respeito ao direito constitucional de comunicação do preso com familiar ou pessoa por ele indicada. No decorrer das audiências de custódia realizadas, os defensores também observaram uma grande quantidade de autos de prisão em flagrante deficitários, isto é, não instruídos com a documentação indicada no artigo 304 e seguintes do Código de Processo Penal, como oitiva do condutor, testemunhas e exame de corpo de delito.

Pontos observados pela DPU
– 97% das pessoas que chegaram não eram do DF e eram oriundos de outros Estados da federação.

– Os bens pessoais estavam alocados em um banheiro desativado da área do banho de sol pois, segundo a Administração, não havia outro local adequado para guardar o grande volume de bens que as pessoas traziam. Havia uma etiqueta identificando o respectivo proprietário.

– Na visita ao Bloco VI, que já estava ocupado, tivemos oportunidade de entrevistar rapidamente algumas pessoas custodiadas. Havia 12 pessoas em cada cela, todas tinham colchão. As celas têm quatro beliches com duas camas, então 4 pessoas estavam dormindo no chão. As celas tinham uma pia, um chuveiro com água fria e um vaso sanitário. O banheiro fica à vista de quem passa no corredor, não havendo nenhuma privacidade para realizarem suas necessidades.

– As portas das celas são chapeadas e há algumas ventanas, que permitem iluminação e ventilação mediana no local.
A maioria (dos presos) informou que tinha recebido kit de higiene, mas, entre as pessoas que estavam lá há pouco tempo, algumas ainda não haviam recebido esses itens. Algumas pessoas ainda relataram que não receberam roupa de cama e toalhas. Destacaram ainda a necessidade de um saco de lixo nas celas.

– De maneira unânime, relataram que foram tratados de forma respeitosa e digna na unidade pelos Policiais Penais, assim como na Polícia Civil. As pessoas relataram que haviam passado por atendimento médico, mas algumas ainda estavam sem acesso a medicamentos de uso contínuo, como medicamento de hipertensão ou para problemas cardiovasculares.

– Durante as entrevistas verificamos que o maior pleito dos custodiados era o contato familiar, visto que nem todos conseguiram contato com suas famílias. Inclusive, algumas pessoas também tiveram suas mães e companheiras detidas e, até aquele momento, não tinham informações sobre seu paradeiro (se seguem em custódia ou em liberdade).

– A maioria não tem assistência jurídica particular. Algumas pessoas relataram que ainda não tinham conseguido fazer contato com seu advogado.

Penitenciária Feminina

– Fomos recebidos pela Diretora Kamila Mendonça. Ela reportou que começaram a receber as primeiras mulheres na madrugada de segunda-feira (81 pessoas). Posteriormente, receberam continuamente comboios até alcançarem o total de 161 novas mulheres presas na unidade. Apontou que elas chegam sem a comunicação da prisão e sem qualquer informação sobre sua condição; muitas não sabem onde estão chegando. Foram detectados alguns casos de Covid-19, que foram isolados.

– Chegavam apenas com a roupa do corpo ou com vestuários que não se adequavam ao padrão da unidade prisional; em regra não tinham conseguido tomar banho. Não havia previsão sobre a realização de audiências de custódia e no local havia presas maiores de 60 anos. Uma delas possuía a cabeça raspada e relatou a necessidade de tratamento oncológico. Solicitamos o envio da documentação para a elaboração do pedido de liberdade em sede de audiência de custódia.

– Constatou-se o pequeno número de audiências de custódia realizadas, superando-se o prazo de 5 (cinco) dias desde a realização da 29 prisão. Muitos relataram não ter tido contato com a família, inclusive, no momento da prisão. A principal demanda está no contato com os familiares (muitos não lembram os números de telefone).

– Também se verificou a ausência de fornecimento, para todos os custodiados, de kit de higiene, em especial, de sabão e desodorante.

– Total de presos: 904 novos presos. O quantitativo aumentou de 1200 para 2104 pessoas privadas de liberdade, representando 85% de aumento da população carcerária no CDP II.

– O Diretor informou que foram recebidos muitos materiais, que houve grande dificuldade de triar esses materiais. Os bens foram identificados e depositados, os valores em pecúnia ficaram com os presos (um deles estaria com R$3 mil), medicamentos e alianças de ouro.

– Todos receberam colchões novos, os kits de higiene foram recebidos e encaminhados aos poucos. A alimentação foi suprida pela empresa Vogue e não tinha cantina em funcionamento.

– Pela equipe foram constatadas muitas queixas de saúde mental, quadros de depressão e ansiedade. Havia uma cela só com idosos, 30 militares (até oficiais da Marinha), policiais de outros Estados, pessoas com diplomação superior que foram alocadas em celas separadas configurando Salas de Estado Maior. Não foi prestada nenhuma informação sobre recambiamento.

– Todos os ingressos foram testados para COVID; na triagem da saúde foi ofertada vacinação e alguns detentos foram vacinados.

– Na inspeção, verificou-se a média de 14 a 16 pessoas por cela. Colheram-se relatos sobre a presença de muitas goteiras nas celas da Ala A e B, bloco VI, o que impossibilitaria o sono durante as chuvas.

– Sobre a alimentação, alguns relataram a má qualidade dos alimentos e pouca quantidade no fornecimento de frutas, tendo sido relatado o descarte de boa parte das marmitas (almoço e janta) por não conseguirem comer devido ao gosto ruim e ao mau preparo.

– Muitos não estão com a medicação de uso controlado. Confirmaram que estavam com colchões suficientes e não houve relatos de violência, mas alguns relataram que policiais penais femininas estariam realizando revista vexatória.
Muitos relataram a dificuldade de contato com os advogados, reconheceram e elogiaram o trabalho da Defensoria Pública. Foi elaborada lista com nomes e medidas emergenciais.

– São servidas quatro refeições ao dia: café da manhã (achocolatado e pão) almoço (proteína, arroz e feijão), jantar (proteína, arroz e feijão) e ceia (pão e uma fruta). A marmita com a refeição pesa 600 gramas. O acesso à água para consumo e higienização fica disponível 24 horas na torneira das celas. Não há banho quente disponível nas celas, o que foi objeto de reclamação pelas entrevistadas.

– Algumas relataram que estavam há três dias sem banho de sol, o que só retornou há um dia apenas, mas com o tempo reduzido. Elas estão alocadas e distribuídas em média de quatro até cinco na cela minúscula que serve para visita íntima, inclusive tiveram que desentupir o vaso do banheiro com a mão.

– Por não haver disponibilidade de uniformes, as mulheres relataram estar desde o momento da prisão sem possibilidade de trocar de roupas.

– Foram atendidas mulheres que estavam utilizando cobertores para se cobrir, enquanto lavavam suas roupas. Foi constada a ausência de chuveiro em uma das celas (cela 11) e ausência de descarga automatizada na cela 13, ala A, Bloco VI. As mulheres utilizavam sacolas para encher de água da torneira e realizar a higienização.


Fonte: Defensoria Pública da União (DPU)
Foto: reprodução relatório DPU

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