O Senado italiano aprovou nesta quinta-feira (15) o decreto que endurece os critérios para a concessão da cidadania por descendência.
Com 81 votos favoráveis e 37 contrários, a medida limita o direito apenas a filhos e netos de cidadãos italianos que mantinham exclusivamente a nacionalidade italiana. A proposta segue agora para análise na Câmara dos Deputados, com votação prevista para a próxima semana.
Embora o decreto esteja em vigor desde 28 de março, ele precisa ser ratificado pelo Parlamento até o fim de maio para se tornar definitivo.
A versão original apresentada pelo governo da primeira-ministra Giorgia Meloni propunha restringir a cidadania iure sanguinis (por sangue) até a segunda geração — ou seja, apenas para quem tivesse pai ou avô nascido na Itália.
Uma emenda aprovada no Senado retirou essa exigência de local de nascimento, mas impôs uma nova barreira: o ascendente precisa ter, ou ter tido exclusivamente, a cidadania italiana.
Com isso, a medida exclui automaticamente descendentes cujos familiares possuíam dupla cidadania ou que tenham nascido no exterior antes da promulgação da nova norma. Segundo o governo, a intenção é manter o princípio da hereditariedade, mas reforçando a necessidade de um vínculo real com a Itália.
Para o vice-primeiro-ministro e ministro das Relações Exteriores, Antonio Tajani, “a votação com a qual o Senado aprovou o ‘decreto da cidadania’ é muito importante”, porque, segundo ele, “é uma medida que visa restituir dignidade e sentido a um direito que deve se basear em um vínculo autêntico com a Itália, não apenas burocrático, mas cultural, cívico e identitário”.
Tajani ainda acrescentou: “A cidadania deve ser um reconhecimento sério e consciente, que se confirma pelo compromisso. Esta reforma não exclui, mas responsabiliza. Propõe critérios mais seletivos e transparentes, capazes de fortalecer a integridade do nosso sistema e prevenir abusos”.
O chanceler também defendeu uma emenda que permite a readmissão da cidadania a italianos que tiveram que renunciar ao vínculo com o país para trabalhar no exterior. “É uma medida que reforça nossa ligação com quem, mesmo distante, continua sendo italiano de corpo e alma”, afirmou. Tajani mencionou ainda que o decreto é parte de um pacote legislativo que inclui outros dois projetos para reforçar o elo entre a Itália e seus cidadãos que vivem fora do país.
A principal alteração, incluída na comissão, foi a substituição do termo “nascido na Itália”, em referência aos ascendentes, pelo trecho “possui ou possuía no momento da morte exclusivamente a cidadania italiana”.
Ou seja, pela nova regra, uma pessoa nascida fora do país europeu só será considerada italiana se ao menos um genitor ou um avô (ou avó) tiver somente a cidadania italiana.
Além desse caso, pode ser considerada italiana uma pessoa cujo genitor tenha morado na Itália por ao menos dois anos sem interrupção após a aquisição da cidadania e antes do nascimento do filho.
As regras valem para pedidos de cidadania apresentados após o anúncio do decreto, em 28 de março. A medida impacta diretamente descendentes de italianos que moram no Brasil e na Argentina, países que receberam milhões de emigrados a partir do fim do século 19. Só no Brasil, um contingente de 1,4 milhão chegou de 1870 a 1920.
Estima-se que hoje existam 30 milhões de descendentes no país, além de mais de 800 mil cidadãos italianos (expatriados ou com dupla cidadania).
Em 2023, foram reconhecidas ao menos 61,3 mil cidadanias italianas por direito de sangue a descendentes.
Com quase 42 mil, os brasileiros representaram 68,5% dos casos –os maiores beneficiados. Os casos se referem aos processos por via judicial e administrativa (prefeituras italianas), sem contabilizar os consulados.
A proposta, no entanto, vem gerando críticas. O deputado Nicola Carè, do Partido Democrático, que representa italianos no exterior, se posicionou contra a exigência de conhecimento da língua italiana para manter a cidadania.
“Isso representa um insulto intolerável a uma parte vital da nossa comunidade nacional”, declarou. Segundo ele, a nova regra exigirá que italianos maiores de idade nascidos no exterior e com ascendência também estrangeira comprovem domínio do idioma no nível B1 dentro de três anos, sob pena de perderem automaticamente a cidadania. “De acordo com essa lei absurda (…), a consequência será a perda automática da cidadania italiana”, criticou.
Rafael Gianesini, CEO de uma empresa especializada em cidadania europeia da América Latina, disse à CNN que as novas regras limitam concessão do documento a descendentes de pais e avós, impactando cerca de 95% dos brasileiros que buscam o direito.
“Agora mudaram para somente filho e neto de italiano que tenha ou teve até a sua morte somente a cidadania italiana, ou seja, ele não podia ter se naturalizado ou ter uma dupla nacionalidade, ele deve ter exclusivamente cidadania italiana”, afirma.
No Brasil, o Movimento Associativo Italianos no Exterior (Maie) também repudiou a proposta de exigir certificado de proficiência em italiano até mesmo para quem já tem a cidadania reconhecida.
“Ontem fomos surpreendidos em meio ao caos da proposta de mudança na lei da cidadania italiana, debatida no Senado. Um verdadeiro absurdo”, afirmou a organização em nota.
Segundo a presidente do Maie Brasil, Luciana Laspro, a intervenção do senador Mario Borghese foi essencial para retirar esse trecho da proposta.
“Acho que seria mais uma vergonha se [a emenda] tivesse sido imposta a pessoas que já têm a cidadania reconhecida. Ainda bem que não entrou”, disse ela à ANSA. E concluiu: “[Nenhuma emenda] deve implicar na perda da cidadania [italiana] que recebemos ao nascer”. E mais: A esperança de Ramagem no impasse entre STF e Câmara no seu caso. Clique AQUI para ver. (Foto: PixaBay; Fontes: Ansa; Folha de SP; CNN)