A senadora Damares Alves (Republicanos-DF), recém-empossada como presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado, declarou ao jornal Estadão que todas as sugestões enviadas pela sociedade civil ao colegiado serão colocadas em pauta, incluindo uma proposta que pede a realização de um plebiscito sobre o retorno da monarquia no Brasil.
“Uma iniciativa vinda da sociedade não pode ficar na gaveta. Nem que seja um ‘não’ bonito, tem que ser apreciado. Não é o presidente de uma comissão que decide o que deve ser discutido, é o plenário. Vamos pôr o assunto para debater. Por que não?”, afirmou Damares ao periódico.
O documento submetido à CDH, de autoria de um cidadão identificado como Ilgner, argumenta que o atual sistema presidencialista seria substituído por um modelo parlamentarista, no qual os brasileiros escolheriam um partido e um primeiro-ministro, enquanto o rei exerceria um papel de “unidade”.
O texto defende que a monarquia parlamentarista traria “mais autonomia para governar” e critica a República, que, segundo o autor, “se mostrou não efetiva”. Não há, contudo, qualquer menção sobre quem assumiria o trono caso o sistema fosse adotado.
A Divisão na Casa Imperial
A Casa Imperial Brasileira, composta pelos descendentes de D. Pedro II, último imperador do país, está dividida em dois ramos familiares.
No grupo de Vassouras, o advogado Dom Bertrand de Orleans e Bragança, trineto de D. Pedro II, é o principal претенente ao trono extinto. Já no ramo de Petrópolis, o engenheiro Pedro Carlos de Orleans e Bragança, bisneto do monarca, lidera a linhagem.
Em entrevista ao Estadão, Dom Bertrand considerou a ideia de um plebiscito em 2026 precipitada, alertando que o regime monárquico “não teria tempo” para assegurar “igualdade de condições entre os interessados e uma ampla campanha de esclarecimento da população”.
“Por enquanto parece-me prematuro um trabalho junto aos senhores deputados e senadores a propósito da sugestão de um novo plebiscito. Tudo depende da possibilidade de uma campanha efetiva de esclarecimento da população sobre a alternativa Monarquia x República”, declarou ele.
Caminho Legislativo
Caso a proposta avance na CDH, ela seguirá para votação no plenário do Senado. Para se tornar realidade, precisará ainda do aval da maioria dos deputados na Câmara e da sanção presidencial – seja de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ou de quem estiver no cargo à época. Durante a tramitação no Congresso, os parlamentares terão de definir detalhes do sistema monárquico proposto e as regras do eventual plebiscito.
Um Passado em Debate
Não seria a primeira vez que os brasileiros decidem sobre o sistema de governo em uma consulta popular. Em 21 de abril de 1993, um plebiscito perguntou à população se preferia monarquia ou república e se optava pelo presidencialismo ou parlamentarismo.
O resultado consagrou a república presidencialista, com 43,88 milhões de votos, contra 6,79 milhões favoráveis à monarquia. Curiosamente, os votos em branco (6,81 milhões) e nulos (8,74 milhões) superaram os pró-monarquia. Mesmo com a derrota, os monarquistas contestam o resultado até hoje, apontando uma suposta vantagem da propaganda republicana, o desconhecimento popular sobre o sistema monárquico e o simbolismo da data – o feriado de Tiradentes, ícone republicano – como fatores que influenciaram a escolha.
Dom Bertrand, ao Estadão, rejeitou a ideia de que o plebiscito de 1993 tenha encerrado o debate. “Nunca a discussão sobre a ideia monárquica foi tão ampla como hoje em dia, haja vista o grande número de blogs, canais, páginas que se ocupam do tema”, afirmou, sugerindo que o regime passou a ser visto “como uma alternativa para o caos político-institucional que seguiu existindo” desde então.
Raízes Históricas e Representação Atual
O Brasil viveu sob monarquia desde o início da colonização, no século XVI, até a Independência em 1822, quando passou a ser governado por D. Pedro I e, posteriormente, por D. Pedro II, até 1889.
Naquele ano, uma ação militar depôs o imperador, iniciando a era republicana que perdura até hoje. Entre os atuais 513 deputados federais, há um descendente direto de D. Pedro II: Luiz Philippe de Orléans e Bragança (PL-SP), eleito em 2019, o primeiro membro da família imperial a ocupar um cargo político desde o fim do Império.
Luiz Phillipe declarou ao Estadão que apoia o retorno da monarquia, mas considera inviável um plebiscito em 2026, prevendo nova vitória republicana nas condições atuais.
Para ele, o sucesso da proposta dependeria de um suporte robusto de partidos, da opinião pública e de uma campanha ampla sobre o funcionamento do regime e a experiência monárquica brasileira entre 1822 e 1889.
“Tem que ter apoio institucional, da opinião pública, tem que ter uma visão clara de como será a organização dessa monarquia. Ainda falta muita coisa para ser divulgada. Mas, a melhor propaganda da monarquia é a própria república. Nunca vai dar certo, e o povo já está entendendo isso”, afirmou o deputado, tetraneto de D. Pedro II.
Uma Proposta Constitucional
Luiz Phellipe é autor de uma minuta chamada “Constituição Libertadora”, que será apresentada aos defensores da proposta em tramitação no Senado.
O texto prevê o retorno do “poder Moderador”, no qual o rei não teria atuação política direta, mas poderia intervir em crises se solicitado por forças institucionais ou populares.
“Não é um poder de fato, é um poder passivo. Quando o Congresso pedir, quando outras forças ou iniciativas populares pedirem, o poder Moderador do chefe de Estado vai agir. Caso o contrário, ele não vai fazer nada”, explicou ele, que contribuiu com uma das 29 mil assinaturas da sugestão de Ilgner.
Contexto e Expectativas
Os monarquistas apontam a “falência institucional” – que, segundo Luiz Phellipe, afeta o Executivo, o Legislativo e o Supremo Tribunal Federal – como um catalisador para o retorno da Corte.
Eles também evocam uma suposta “alma monarquista” do povo brasileiro como base cultural para o movimento. Enquanto a proposta avança na CDH sob o comando de Damares, o debate promete reacender uma discussão histórica, dividindo opiniões entre nostalgia, pragmatismo e ceticismo sobre o futuro do sistema de governo no Brasil. A reportagem é do Estadão. Clique AQUI para ver na íntegra.