A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) deve discutir e votar nesta terça-feira (7) a reforma tributária (PEC 45/2019). A expectativa é que o relatório do senador Eduardo Braga (MDB-AM) seja aprovado e enviado ao Plenário para ser analisado na quarta-feira (8), conforme já consta na pauta montada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.
Essa é a última etapa de discussão antes de o texto seguir para a deliberação em plenário, o que está previsto para esta semana. Como a PEC está sendo modificada pelo Senado, ela terá de passar novamente pelo crivo da Câmara dos Deputados.
A mudança no sistema tributário é uma das principais pautas da agenda defendida pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda). Ontem, Lula antecipou reunião com líderes partidários para mais ‘articulações’ para a aprovação.
A CCJ analisará as três Propostas de Emendas à Constituição (PEC) sobre o tema que tramitam em conjunto. Braga propõe um texto alternativo (substitutivo) à PEC 45/2019 que foi aprovada pela Câmara dos Deputados e a rejeição da PEC 46/2022, apresentada primeiramente pelo senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), e da PEC 110/2019, do senador Davi Alcolumbre (União-AP).
A reforma unirá cinco tributos (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins) em três: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e Imposto Seletivo (IS).
Cada novo tributo terá um período de transição. A CBS e o IBS, que tributam o consumo, são formas de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que incide apenas nas etapas do comércio que geram novo valor ao produto ou serviço e assim evita novas cobranças sobre impostos já pagos.
O problema é a alíquota que precisará ser definida para o novo imposto. Os cálculos da equipe econômica sobre o projeto inicial da Reforma Tributária apontavam uma cobrança total entre 25,45% e 27% sobre o consumo, o que já gerou receio de que alguns setores tenham uma elevação muito grande nos tributos pagos.
Com um aumento de 0,5 ponto percentual, calculado agora com as flexibilizações do texto, a alíquota pode chegar a 27,5%. Os focos da atuação do governo neste momento são dois: afastar o risco de novas ampliações no número de exceções e azeitar as negociações com os senadores para assegurar um apoio maciço ao texto.
Entretanto, o novo modelo tributário, em que o pressuposto é a generalidade, isto é, ter a menor quantidade possível de exceções, faz com que a regra que está sendo pensada acabe afetando os consumidores de baixa renda. A avaliação é da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee).
O diretor Institucional e Jurídico da Abradee, Wagner Ferreira, diz acreditar que, caso seja confirmada uma alíquota em torno de 27%, isso significaria aumento de até 30% nas contas de energia elétrica das famílias mais humildes, porque o texto atual da reforma tributária não menciona regime especial ou redução de tributos para as classes menos favorecidas. Hoje, os consumidores de baixa renda têm isenção tributária ou redução de alíquota em relação à alíquota normal.
“Se hoje esse consumidor já tem uma redução de alíquota ou a isenção, e se na virada de modelo da reforma tributária ele vai passar a ser tratado de uma maneira comum, ele vai passar a pagar uma alíquota cheia. Isso significa ter um aumento de tributo na conta de luz dos consumidores de baixa renda”, assegurou Ferreira.
Ferreira destaca que o Senado Federal trouxe uma sinalização de compreensão sobre a questão. “Esse consumidor de baixa renda tem que ter um tratamento diferenciado. Porque se eu for tratá-lo de maneira igual, ele vai pagar mais tributo. E pagar mais tributo em uma classe de consumidores que tem renda de até meio salário-mínimo é algo perigoso que pode, inclusive, inviabilizar serviços e acesso a itens essenciais para a vida dessas famílias. Aumentar a conta de luz em R$ 30 ou R$ 40 em uma conta de R$ 80, R$ 90 ou R$ 100 para quem ganha meio salário-mínimo é um impacto muito grande”, ponderou.
O Senado pretenderia então que o consumidor de baixa renda tenha “obrigatoriamente” uso de cashback, mecanismo ainda não regulamentado, que prevê a devolução de impostos para um determinado público, visando reduzir as desigualdades de renda.
Travas
O substitutivo de Braga prevê redução da CBS e do Imposto Seletivo em 2030, se suas receitas medidas em 2027 e 2028 forem maiores que a média da arrecadação do PIS/Pasep, Cofins e IPI de 2012 a 2021. Em 2035, haverá outro momento de reavaliação, em que os tributos criados poderão ser reduzidos se a receita medida entre 2029 e 2033 for maior que a média da arrecadação dos impostos extintos, entre 2012 e 2021.
A reforma tributária tem apoio do governo, que conta com o economista Bernard Appy, um de seus principais formuladores, como secretário extraordinário no âmbito do Ministério da Fazenda. O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), disse que a base está mobilizada para aprovar o relatório de Eduardo Braga esta semana.
“A reforma tributária é aspirada desde 1985. Nós somos o único país da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, da qual o Brasil não é membro, mas participante em algumas atividades] que não tem o IVA [Imposto sobre Valor Agregado]. Só isso [já] trará modificações enormes ao sistema tributário brasileiro, [o] simplificará e fortalecerá”, disse Randolfe à TV Senado.
Para que seja aprovada, uma PEC depende do apoio de 3/5 da composição de cada Casa, em dois turnos de votação em cada Plenário. No Senado, são necessários os votos de, no mínimo, 49 senadores. O texto só é aprovado se houver completa concordância entre a Câmara dos Deputados e o Senado. Como Braga apresentou um substitutivo, o texto passará por nova análise dos deputados. Apesar da expectativa de aprovação na CCJ, a proposta divide opiniões.
Alíquota
Pela oposição, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) apontou no sábado (4), pelas redes sociais, a estimativa de aumento do IVA brasileiro para alíquota de até 27,5%. Segundo o senador, a alíquota pode ser “o maior IVA do mundo”.
A possível ampliação — a alíquota será estipulada por lei complementar —, foi informada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, após encontro com Braga nessa quinta-feira (2). Haddad atribuiu o aumento de meio ponto percentual à inclusão, no texto, de novos setores nas hipóteses de tratamento favorecido, como produções artísticas e atividades desportivas.
Sumário publicado pela PricewaterhouseCoopers (PWC) indica que o percentual mais elevado de um imposto sobre consumo agregado é o da Hungria (27%). O IVA português é cobrado a 23%. No Chile e na Colômbia, o tributo é de 19%. No México, o imposto situa-se em 16% e no Japão, em 10%.
Também pelas redes sociais, Eduardo Braga defendeu a inclusão de exceções às novas regras tributárias, salientando que ela teria teria sido feita “de forma milimétrica”. Ele exemplificou com a mudança relacionada aos transportes coletivos rodoviário (ressalvados os de caráter urbano), ferroviário (ressalvados os metrôs), hidroviário e aéreo, que na Câmara dos Deputados estavam previstos entre os setores com benefícios fiscais. No seu relatório, o setor foi transferido para os casos de “regimes diferenciados”, que terão regras próprias, mas não necessariamente mais vantajosas às empresas.
“São bilhões de reais que estamos economizando para poder estabelecer outros benefícios. Tiramos exceções que foram concedidas. Se algo entrou, algo saiu”, escreveu Braga.
Também pela oposição, o senador Efraim Filho (União-PB), que coordenou grupo de trabalho para estudo da reforma tributária na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), se manifestou contra a eventual majoração da carga tributária. Para ele, há outras formas de tributar além do imposto sobre o consumo.
“Não dá para fazer cara de paisagem com a perspectiva de se ter o maior IVA do mundo. Não dá para o Brasil começar assim. É importante lembrar que os impostos sobre o consumo são apenas uma fatia da receita dos governos. Você tem ainda a renda e o patrimônio. Para defender o cidadão, vamos estar muito atentos e provavelmente pleitear na CCJ o estabelecimento de um teto da carga tributária, algo ao qual o relator já se posicionou favoravelmente”, disse Efraim em entrevista à Jovem Pan nesta segunda-feira (6).
“Justiça tributária” (ou seja, mais impostos)
Na avaliação da senadora Zenaide Maia (PSD-RN), uma reforma tributária sem abranger impostos sobre renda e patrimônio não faz justiça tributária.
“O Brasil é um dos únicos países que não cobra impostos sobre lucros e dividendos. Tem de ser assim: quem ganha mais, paga mais, e quem ganha menos, paga menos” disse ela pelas redes sociais.
De acordo com o que disse Bernard Appy em entrevista ao jornal O Globo, após a aprovação da PEC 45/2019, será preciso tratar dos tributos sobre dividendos e sobre lucros obtidos em investimentos fora do país, numa segunda parte da reforma tributária.
No fim de outubro, a Câmara já aprovou o projeto de lei (PL) 4.173/2023, de autoria do Poder Executivo, que trata da tributação de investimentos de pessoas físicas no exterior e a antecipação de imposto em fundos fechados. O texto incorporou a Medida Provisória 1.184/2023, relacionada à incidência do chamado “come-cotas” nos fundos fechados.
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