O presidente da Argentina, Alberto Fernández, pediu que a União Europeia renegocie um acordo de livre comércio com a América do Sul, dizendo que o acordo atual é “desequilibrado” e uma ameaça para a indústria automobilística no Brasil e na Argentina.
“O que temos que fazer é sentar e ver como podemos chegar a um acordo de forma mais realista”, disse Fernández na conferência Global Boardroom do Financial Times. Questionado sobre quanto tempo esse processo pode levar, ele disse: “O tempo que as partes quiserem. É como o tango. O tango é dançado por um casal, você precisa dos dois para querer dançar tango, senão é muito difícil.”
O acordo comercial entre a UE e o bloco do Mercosul – Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai – foi acordado em princípio em 2019, após quase 20 anos de negociações e com muito empenho do governo brasileiro, ainda no início da gestão do presidente Jair Bolsonaro. Mas sua conclusão até o momento não foi finalizada.
Uma das justificativas de alguns países da Europa contra o acordo seria o desmatamento do Brasil. Entretanto, o próprio Alberto Fernandes nega. “Não é a razão pela qual não temos o acordo, isso é uma desculpa. A verdadeira razão é que para o Brasil e a Argentina [como] produtores de automóveis, os únicos fabricantes de automóveis na América do Sul, esse acordo é um problema porque dificulta as coisas para nós se a concorrência europeia vier para a América do Sul”, disse ele. Entretanto, sobre isso, o governo brasileiro nunca apresentou nenhum objeção.
Ao mesmo tempo, os países sul-americanos enfrentaram “uma série de obstáculos” para vender suas exportações agrícolas para a Europa, com países como Irlanda, Polônia e França se opondo a acabar com os subsídios agrícolas e permitir a concorrência dos países sulamericanos.
“Nem Lula nem eu somos contra o acordo com a União Europeia”, explicou Fernández. “Você tem que ter em mente como é esse acordo, porque esse acordo tem problemas. . . que têm a ver com os desequilíbrios do mercado”.
Enquanto continuam as discussões sobre o pacto comercial com a Europa, a Argentina está fechando acordos com a China, seu segundo maior parceiro comercial depois do Brasil.
Pequim concordou no mês passado em expandir um mecanismo de swap com o banco central argentino para US$ 25 bilhões, ajudando a reforçar as escassas reservas estrangeiras do país. A China também construiu uma estação de observação espacial na província patagônica de Neuquén, que o think-tank Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais em Washington diz operar com pouca supervisão argentina e poderia ser usado para coleta de inteligência militar.
Fernández rejeitou o argumento de que a Argentina precisava escolher entre os EUA e a China, dizendo que não desejava recriar a era da Guerra Fria. “A Argentina tem que fazer o que for melhor para a Argentina”, confessou.
O acordo
Em 2019, representantes os países do Mercosul e da União Europeia anunciaram a formação de uma das maiores áreas de livre comércio do planeta. Juntos, os dois blocos representam cerca de 25% da economia mundial e um mercado de 780 milhões de pessoas. Quando se considera o número de países envolvidos e a extensão territorial, o acordo só perde para o Tratado Continental Africano de Livre Comércio, que envolve 44 países da África e foi assinado em 2019.
O acordo, muito comemorado em 2019 pelo governo Bolsonaro, previa eliminar as tarifas de importação para mais de 90% dos produtos comercializados entre os dois blocos. Para os produtos que não terão as tarifas eliminadas, serão aplicadas cotas preferenciais de importação com tarifas reduzidas. O processo de eliminação de tarifas varia de acordo com cada produto e deve levar até 15 anos contados a partir da entrada em vigor da parceria intercontinental.
Para os países do Mercosul, bloco formado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai (e Venezuela, que está suspensa), a proposta prevê um período de mais de uma década de redução de tarifas para produtos mais sensíveis à competitividade da indústria europeia, como os veículos, preocupação de Alberto Fernández. No caso europeu, a maior parte do imposto de importação será zerada tão logo o tratado entre em vigor.
A Argentina
O país vizinho enfrenta desafios econômicos assustadores, com inflação próxima de 100% ao ano, acesso aos mercados financeiros internacionais amplamente interrompido após um calote de 2020 e controles cambiais que levaram o dólar do mercado negro a quase o dobro do nível oficial.
Fernández classificou a economia argentina como “estranha” porque, apesar da alta inflação e dos níveis “impagáveis” de dívida, o país também teve níveis recordes de investimento estrangeiro e exportações no primeiro semestre do ano, o desemprego foi baixo e o consumo estava crescendo.
“Se você ficar com a imagem de uma Argentina inflacionária. . . de uma Argentina endividada, você dirá que a Argentina está uma bagunça”, disse Fernández. “Mas também há todos esses dados que indicam crescimento sustentado e enorme potencial.” A solução para os problemas econômicos de longa data do país sul-americano, disse ele, era agregar valor às suas commodities. “A Argentina deve deixar de ser exportadora de matérias-primas e se tornar uma nação industrial.”, diz Alberto
A Argentina realizará eleições presidenciais e parlamentares em outubro de 2023 e as pesquisas mostram que o partido peronista de Fernández está atrás da oposição conservadora.
O presidente disse no passado que gostaria de concorrer novamente, mas seus índices de aprovação são baixos e ele disse à conferência que estava “absolutamente absorvido” pelo governo.
Sua vice-presidente, Cristina Fernández de Kirchner, disse na terça-feira que não concorreria novamente depois de ser condenada por corrupção, um veredicto do qual pretende apelar. “Não estou pensando em reeleição, acredite em mim”, disse o presidente Fernández. “Estou pensando em como resolver todos esses problemas [do país]. . . Quero terminar meu mandato semeando a Argentina de oportunidades para quem me suceder”.
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