O hacker Walter Delgatti Neto, conhecido como ‘hacker da Lava Jato’, disse nesta quinta-feira (17) que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) teria pedido que ele assumisse a autoria de um grampo ilegal contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Morais em troca de um suposto indulto para livrá-lo da cadeia. Delgatti presta depoimento à CPMI do 8 de Janeiro, atendendo a um desejo dos parlamentares governistas.
Ele, contudo, não apresentou nenhuma prova de suas acusações; não levou à CPIM fotos, áudios, documentos ou qualquer outro material para comprovar as acusações contra o ex-presidente.
Segundo o depoente, a proposta ocorreu em um telefonema intermediado pela deputada federal Carla Zambelli (PL-SP). De acordo com o hacker, a conversa ocorreu em 2022, antes do primeiro turno das eleições. O objetivo do grampo seria minar a confiança da população no processo eleitoral e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), presidido por Morais.
“Eu falei com o presidente da República (Bolsonaro) e, segundo ele, eles haviam conseguido um grampo, que era tão esperado à época, do ministro Alexandre de Morais. Segundo ele, esse grampo já havia sido realizado. Teria conversas comprometedoras do ministro, e ele (Bolsonaro) precisava que eu assumisse a autoria desse grampo. Ele disse no telefonema que esse grampo fora realizado por agentes de outro país. Não sei se é verdade, se realmente aconteceu o grampo porque não tive acesso a ele”, afirmou.
Walter Delgatti Neto respondeu aos questionamentos da relatora da CPMI, senadora Eliziane Gama (PSD-MA). De acordo com o hacker, no mesmo telefonema Jair Bolsonaro teria prometido livrá-lo de um eventual pedido de prisão pelo crime.
“Ele disse que, em troca, eu teria o prometido indulto. E ele ainda disse assim: “Fique tranquilo. Caso algum juiz te prender, eu mando prender o juiz”. E deu risada. Eu concordei porque era uma proposta do presidente da República. Por medo, retornando à minha residência, entrei em contato com jornalista da Veja e contei isso a ele”, disse Delgatti.
A senadora Eliziane Gama classificou o depoimento do hacker como “bombástico”: Você está me dizendo que o ex-presidente da República naquele momento ao telefone lhe propõe você assumir um grampo do ministro do STF Alexandre de Morais? O depoimento de hoje é muito importante para os trabalhos da CPMI. Bombástico. As informações trazidas para esta comissão são absolutamente sérias. Informações que estão no entorno do ponto central desta CPMI, que é exatamente o questionamento do resultado eleitoral, a tentativa de emplacar uma vulnerabilidade e a busca de pessoas que já tinham histórico em relação a invasão para que legitimassem claramente uma narrativa que é incompatível com a realidade — disse a relatora.
Suposto encontro no Alvorada
O hacker disse ainda que, antes do telefonema, tomou café-da-manhã com Jair Bolsonaro no Palácio da Alvorada. O encontro teria ocorrido no dia 10 de agosto, com a presença da deputada Carla Zambelli, do então-ajudante-de-ordens do presidente da República, tenente-coronel Mauro Cid, e do general do Exército Marcelo Câmara.
Segundo Walter Delgatti Neto, o café-da-manhã com Jair Bolsonaro aconteceu após dois encontros com o presidente do PL, Waldemar da Costa Neto, e Duda Lima, responsável pela campanha à reeleição.
Nessas reuniões prévias, o marqueteiro teria sugerido que o hacker implantasse um “código malicioso” em uma urna eletrônica fora das dependências do TSE para induzir os eleitores a duvidar da integridade do sistema.
Na história do hacker, durante o encontro no Palácio da Alvorada, o então presidente da República reforçou o pedido. Bolsonaro teria sugerido ainda que Delgatti auxiliasse técnicos do Ministério da Defesa a apontar ao TSE fragilidades das urnas eletrônicas.
“Ele (Bolsonaro) me disse que eu estaria salvando o Brasil. Era a liberdade do povo em risco. Eu precisava ajudar ele a garantir a lisura das eleições. A conversa foi evoluindo, chegou à parte técnica, e o presidente disse: “Essa parte técnica não entendo nada. Então, eu irei enviá-lo ao Ministério da Defesa e lá com os técnicos você explica tudo isso”. Ele chama o general Marcelo Câmara e fala: “Eu preciso que você leve ele até o Ministério da Defesa”. O general contrariou: “Não, mas lá é complicado”. E o Bolsonaro disse: “Não, isso é uma ordem minha. Cumpra”. Eu fui levado até o Ministério da Defesa pela porta dos fundos”, relatou.
Wlater disse ter ido outras quatro vezes ao Ministério da Defesa. Além dos servidores da área de tecnologia da informação, revelou ter sido recebido pelo próprio titular da pasta, o general Paulo Sérgio Nogueira. Delgatti disse ter orientado a elaboração de um relatório apresentado pelos militares ao TSE antes do primeiro turno. No documento, as Forças Armadas apontam supostas vulnerabilidades das urnas eletrônicas.
“O código fonte ficava apenas no TSE, e apenas servidores do Ministério da Defesa teriam acesso. Então, eles iam até o TSE e me passavam o que viam. Tudo o que eu passei a eles consta no relatório que foi entregue ao TSE. Posso dizer hoje que, de forma integral, aquele relatório tem exatamente o que eu disse. Não tem nada menos e nada mais. Eu apenas não digitei. Mas fui em quem fiz ele porque tudo o que consta nele foi orientado por mim”, afirmou.
Relação com deputada
Walter Delgatti Neto disse ter conhecido a deputada Carla Zambelli em julho de 2022 em um hotel de Ribeirão Preto (SP). Na ocasião, o hacker estava desempregado e proibido de acessar a internet por ser investigado pela Operação Spoofing, da Polícia Federal. Delgatti havia acessado e divulgado conversas de autoridades do Poder Judiciário ligadas à Operação Lava Jato.
Segundo o depoente, após o encontro em Ribeirão Preto, a deputada Carla Zambelli entrou em contato pelo WhatsApp e ofereceu uma “oportunidade de emprego” na campanha à reeleição de Jair Bolsonaro. A ideia inicial era de que o hacker gerenciasse as redes sociais da parlamentar. No entanto, uma decisão de Alexandre de Morais suspendeu o acesso dela às redes sociais.
Walter Delgatti Neto disse que, antes da suspensão das contas de Carla Zambelli, recebeu uma remuneração de R$ 3 mil. No entanto, após as conversas mantidas com o presidente do PL, o marqueteiro Duda Lima e o próprio Jair Bolsonaro, Carla Zambelli teria repassado ao hacker um total de R$ 40 mil.
O depoente confirmou que foi ideia da deputada federal a invasão das redes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ele admitiu ter inserido no sistema do CNJ um mandado de prisão falso contra o ministro Alexandre de Morais.
“A deputada me disse que eu precisava invadir algum sistema de Justiça ou do TSE em si. Alguma invasão que mostrasse a fragilidade do sistema de Justiça. Dizendo que seria uma ordem também do presidente (Bolsonaro). Porém, apenas a deputada me disse isso, não ouvi isso do presidente. Fiz a invasão do CNJ e de todos os tribunais do país. Tive acesso a todos os processos, a todas as senhas de todos juízes e servidores e fiquei por quatro meses na intranet da Justiça brasileira”, afirmou o hacker.
O depoimento de Walter Delgatti Neto continua na comissão parlamentar mista de inquérito. O depoente está preso desde 2 de agosto em Araraquara (SP), investigado por invadir e inserir documentos falsos no sistema do CNJ.
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