Carmém Lúcia e André Mendonça tiveram, nesta quinta-feira (24), uma pequena discussão sobre preconceito religioso. O embate aconteceu durante julgamento a respeito da competência da cidade de São Paulo para instituir o dia 20 de novembro como feriado do Dia da Consciência Negra. Nesse contexto, os ministros discutiram sobre preconceito religioso.
Mendonça falava que todos os brasileiros são iguais: “Nós somos um só povo. Uma só raça, uma só nação. Somos todos a raça humana, brasileiros, e devemos estar imbuídos desse mesmo propósito de construção de igualdade para todos”, disse.
Carmén, então, discordou pela primeira vez: “Nós mulheres, negros, indígenas, somos parte desse povo que não é um só. A constituição garante a igualdade na forma, mas é uma construção permanente. Quando digo que sofremos discriminação, a gente sofre. Somos sim um povo, com muitas desigualdades”, enfatizou a ministra.
Mendonça, então, retomou a fala e disse que reconhece os preconceitos existentes no Brasil porque os “segmentos religiosos também sofrem preconceitos”. Carmém Lúcia, mais uma vez, interrompeu a fala do colega: “Principalmente os de matrizes africanas, não são os evangélicos, não são os católicos. No Brasil, o preconceito é contra as religiões de matrizes africanas”.
Após aguardar ser interrompido, Mendonça então seguiu seu raciocínio concluindo que as religiões evangélicas também sofrem preconceito, mas que cabe ao Congresso Nacional editar uma lei nacional instituindo o feriado e não ao município. Assista abaixo à segunda interrupção de Carmém Lúcia.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou, nesta quinta-feira (24), o julgamento da Arguição de Descumprimento Fundamental (ADPF) 634, que discute a competência do Município de São Paulo (SP) para instituir o dia 20 de novembro como feriado do Dia da Consciência Negra. Até o momento, foram proferidos sete votos, e o julgamento será retomado na próxima semana.
A ação foi ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (CNTM) para pedir que o STF reconheça a constitucionalidade da Lei municipal 14.485/2007.
“Resistência cultural”
A relatora, a ministra Cármen Lúcia, votou pela validade da lei municipal, por considerar que a questão ultrapassa a controvérsia sobre a competência municipal ou federal para instituição de feriados ou a restrição da discussão à esfera trabalhista. Na sua avaliação, a questão deve ser observada pela perspectiva cultural, histórica e de ação afirmativa que permite a identificação de um povo. “A data representa um símbolo de resistência cultural”, afirmou.
“Protagonismo histórico”
Para a ministra, o feriado de 20 de novembro como Dia da Consciência Negra vigora em cinco estados (Amazonas, Amapá, Mato Grosso, Alagoas e Rio de Janeiro) e em centenas de cidades brasileiras. “É inegável o protagonismo histórico do povo negro na construção cultural e histórica do Município de São Paulo, e é inequívoco o interesse local de se instituir, em 20 de novembro, o Dia da Consciência negra naquele município”, assinalou.
“Racismo estrutural”
Seu voto foi acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luiz Fux e Dias Toffoli. Para o ministro Alexandre, a questão transcende o aspecto trabalhista, pois a lei municipal visa combater o “racismo estrutural”, espelhada na Lei federal 12.519/2011, que institui o 20 de novembro como Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra.
“Não se trata de lei do trabalho, trata-se de cultura e história, expressão afirmativa completa de combate ao racismo”, afirmou o ministro Edson Fachin. Ele alegou que a população negra é a maioria numérica e, ainda assim, é preterida no acesso a cargos públicos e posições de poder. Na mesma linha votaram os ministros Luiz Fux e Dias Toffoli.
Competências corretas
Divergiram da relatora os ministros André Mendonça e Nunes Marques, que consideraram improcedente o pedido formulado na ação. Eles lembram que há diversos precedentes na Corte no sentido de que a instituição de feriados civis deve ser regulamentada por meio de lei federal, como a Lei 9093/1995, por afetar diretamente questões trabalhistas. Eles lembraram, ainda, que tramita no Congresso Nacional projeto de lei para tornar a data feriado nacional.
Outras manifestações
Ainda na sessão de hoje houve manifestação do procurador do Município de São Paulo, que defendeu a competência municipal plena para instituir o feriado e afirmou que a data representa um símbolo histórico não só para a população de SP.
Já a vice-procuradora-geral da República Lindôra Araújo se manifestou pela improcedência do pedido, por considerar que não caberia aos municípios dispor sobre feriados civis, que são de competência da União.
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