A Folha de S.Paulo publicou editorial no qual adverte que o Supremo Tribunal Federal (STF) pode colocar em xeque garantias constitucionais ao julgar a responsabilidade de provedores prevista no artigo 19 do Marco Civil da Internet.
O texto sustenta que a Constituição repudia qualquer forma de censura e que a legislação de 2014, aprovada após “amplo debate na sociedade e no Congresso”, já disciplina o tema de maneira adequada.
Logo no primeiro parágrafo, o jornal sublinha o princípio basilar que, em sua ótica, está em jogo: “O regime constitucional brasileiro assegura a ampla liberdade de expressão e proíbe categoricamente a censura. Qualquer regulamentação das atividades de comunicação precisa respeitar esses mandamentos sob pena de ser banida do ordenamento legal.”
Conforme a Folha, isso significa que nenhuma norma nova – mesmo vinda do Judiciário – pode suplantar a salvaguarda constitucional.
O editorial recorda que o Marco Civil determina que as plataformas só respondem na Justiça se ignorarem ordem para retirar conteúdos ilícitos. Como destaca o texto:
“Em seu artigo 19, o código determina que as plataformas que provêm o serviço podem ser responsabilizadas legalmente apenas no caso de se recusarem a cumprir ordem judicial determinando a remoção de conteúdo produzido por usuários.”
Ainda segundo o jornal, delegar a decisão de retirada ao “Poder neutro do Judiciário” preserva o direito de defesa e garante possibilidade de recurso:
“Nada mais coerente com a ampla garantia à expressão do que delegar decisões de banir manifestações, que ainda assim deveriam ser excepcionais e criteriosas, à autoridade do Poder neutro do Judiciário, cujas ordens devem estar embasadas em sólida argumentação legal e estão em regra sujeitas a recurso e revisão.”
A Folha elogia a manifestação inicial do ministro André Mendonça, primeiro a sustentar a compatibilidade do artigo 19 com a Carta. Segundo editorial, Mendonça também frisou que perfis inteiros não deveriam ser derrubados indiscriminadamente: “Que se remova a publicação específica que fere a lei, mas é abusivo proibir seu autor de continuar a se expressar.”
O jornal lembra que Mendonça “ressaltou a importância de resguardar direitos fundamentais” dos atingidos por ordens de remoção e condenou decisões sigilosas:
“Ordens secretas, emitidas sem que o acusado tenha o direito de conhecer a acusação, remetem às piores práticas do absolutismo monárquico que predominou na Europa entre os séculos 16 e 17 —e constituem abominação.”
Apesar do voto de Mendonça, a Folha avalia que ele tende a ficar isolado. Como mostra o editorial, a atual maioria do STF “converteu-se à heterodoxia e ao relativismo”, trocando a leitura direta dos textos legais por critérios subjetivos ligados às novas tecnologias. O jornal lamenta:
“É lamentável constatar que o juízo de bom senso e de rigorosa aderência aos princípios constitucionais expressado pelo ministro tende a ser francamente minoritário na cúpula da Justiça.”
Por fim, o editorial diz que, se prevalecer a orientação contrária ao artigo 19, o STF avançará sobre atribuições do Legislativo:
“A prevalecer a tendência dos primeiros votos, o STF também caminha para mais invasão de atribuições do Legislativo. A tarefa de regular a internet, aliás já realizada em 2014, é do Congresso. Os ministros deveriam reconhecer sua limitação nesse caso.” Segundo o jornal, qualquer mudança deveria ser debatida no Parlamento e não imposta “à margem do rito democrático”.