O ministro do STF Alexandre de Moraes concedeu uma longa e polêmica entrevista à revista norte-americana ‘The New Yorker’, divulgada nesta semana pela internet e em seguida em revista física. O perfil será distribuído impresso na edição da próxima segunda-feira (14/04) da revista, sob o título de “Homens Fortes”.
Os holofotes da internet se voltaram não somente para as palavras ditas por Moraes, mas para a sessão de fotos para a publicação. As imagens foram conduzidas pelo fotógrafo brasileiro Fábio Setti. O profissional compartilhou o material redes sociais, gerando críticas.
Nas fotos em questão Moraes aparece em frente a um fundo vermelho com sua toga, uma espécie de capa preta usada por juízes, em seu gabinete no STF. O fotógrafo compartilhou o trabalho em seu perfil no Instagram, onde celebrou a experiência de estar presente no local de trabalho do ministro e produzir as imagens da matéria.
Fábio Setti destacou que a entrevista foi realizada no segundo dia de julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro na corte, dia 26 de março.
Após as críticas recebidas em sua publicação, o fotógrafo apagou as fotos e até o momento não se manifestou sobre o assunto. Antes dos comentários críticos, Fábio havia compartilhado o momento com gratidão:
“Tive o imenso prazer em participar retratando de forma exclusiva o nosso ministro Alexandre de Moraes. Uma figura de tamanho imensurável na política brasileira, de importância ímpar na luta contra as crescentes injustiças em território brasileiro. Este é com certeza um marco em minha carreira, principalmente por retratar um personagem de extrema importância sócio-política e que raramente concede entrevistas”, escreveu.
A entrevista
Um juiz poderoso – mas que está “testando os limites de sua autoridade” – numa cruzada contra a direita radical digital no mundo. É assim que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) é apresentado aos leitores da revista americana The New Yorker, uma das mais influentes do mundo, em um perfil publicado na segunda-feira (07/04).
Num longo texto assinado pelo renomado jornalista Jon Lee Anderson, Moraes – ou Big Alex, numa adaptação para o inglês do apelido Xandão – é classificado como um “um jurista combativo”, “frequentemente descrito como o segundo homem mais poderoso do Brasil” e que se coloca numa guerra sobre quem detém o poder para definir a realidade política atual.
“De um lado, estavam Alexandre de Moraes e seus aliados. Do outro, uma coalizão internacional de influenciadores da direita, incluindo [o ex-presidente] Bolsonaro, [o bilionário] Elon Musk e, cada vez mais, [o presidente americano] Donald Trump”, diz o texto de Anderson.
À revista, após apresentar suas justificativas sobre casos como o bloqueio de redes sociais Telegram, X e Rumble, Moraes ironizou sobre a possibilidade de sofrer pressões do governo dos EUA.
“Eles podem entrar com processos, podem colocar o Trump para falar”, disse. “Se eles mandarem um porta-aviões, aí a gente vê. Se o porta-aviões não chegar até o Lago Paranoá, não vai influenciar a decisão aqui no Brasil”, completa o ministro, referindo-se ao lago de Brasília que pode ser visto desde o seu escritório no STF.
Moraes é alvo de ações nos EUA movidas pela empresa de mídia do presidente dos EUA, a Trump Media, e o Rumble (uma plataforma digital de compartilhamento de vídeos).
Os “esforços de Alexandre de Moraes para combater o extremismo”, como diz a New Yorker, vêm da percepção do ministro de que as redes sociais são hoje “o maior poder de todos” e que vêm sendo usadas “para influenciar eleições.”
“A direita radical percebeu, durante a Primavera Árabe, que as redes sociais podiam mobilizar pessoas sem intermediários.”.
Na publicação, Moraes é escrito como um homem não tão alto para obter o apelido de Xandão, mas “visivelmente em forma”, diante de uma rotina de corrida, levantamento de pesos e aulas de Muay Thai.
Em uma das entrevistas dadas a Anderson desde o fim do ano passado, Moraes diz que “a direita radical quer tomar o poder — não dizendo que é contra a democracia, porque isso não ganharia apoio popular, mas afirmando que as instituições democráticas são manipuladas”.
“É um populismo altamente estruturado e altamente inteligente. Infelizmente, no Brasil e nos EUA, ainda não aprendemos como reagir.”.
O ministro continua com suas críticas à direita radical dizendo que o grupo liderado por Bolsonaro “manipulou com sucesso” a palavra “liberdade”, fazendo as pessoas acreditarem que eles são os verdadeiros defensores da democracia. “É uma façanha impressionante de lavagem cerebral”, declarou.
O perfil da New Yorker também traz a trajetória profissional de Alexandre de Moraes até se tornar o nome mais proeminente do atual STF.
Filho de um empresário e uma professora de São Paulo, Moraes se formou em direito na USP. Tornou-se promotor e autor de livro. Anderson escreve que a ascensão nacional de Moraes acontece com a chegada de Michel Temer à Presidência, em 2016, após o impeachment da então presidente Dilma Rousseff.
“O mandato [de Temer] já começou sob a sombra de um possível escândalo: um chantagista havia invadido o celular de sua esposa e ameaçava divulgar fotos comprometedoras dela. A história era perfeita para os tabloides — Temer tinha 75 anos, e sua esposa, uma ex-miss, 32”, escreve Anderson.
“Ao ouvir o relato do problema, Moraes rapidamente montou uma equipe de investigadores para encontrar o chantagista e prendê-lo. Como em um gesto de gratidão, Temer o nomeou ministro da Justiça do Brasil”, completa.
Quando surgiu uma vaga no STF, Temer indicou Moraes à Suprema Corte.”Quando me tornei ministro da Justiça, toda a esquerda me chamava de golpista. Eles me odiavam. Agora, é a direita radical que me odeia”, declarou Moraes
No STF, escreve Anderson, Moraes esperava atrair polêmicas, mas não poderia imaginar “que a democracia brasileira estaria em risco”, com relata o ministro.
“Assim, o Supremo Tribunal Federal, invocando um dispositivo que lhe dá poder para investigar qualquer ‘violação da lei penal nas dependências da Corte’, abriu sua própria investigação — essencialmente se tornando vítima, promotor e juiz”, diz o texto da revista sobre a abertura do chamado inquérito das fake news, em 2019, por decisão do então presidente do STF, Dias Toffoli.
Na entrevista ao jornalista americano, o ministro defendeu que o julgamento recente que tornou Bolsonaro réu acusado do crime de ‘tentativa de golpe de Estado’ faz cair por terra o discurso de perseguição política.
“Não foi só a Polícia Federal que os acusou — o próprio procurador-geral decidiu apresentar denúncia”, disse Moraes, que declarou ainda não haver “a menor possibilidade” de o STF reverter a inelegibilidade de Bolsonaro.
Ele citou as duas condenações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que tornaram Bolsonaro inelegível até 2030, e disse: “somente o Supremo Tribunal Federal poderia revertê-las, e não vejo a menor possibilidade de isso acontecer”.
Moraes também sugere, na entrevista, que sua vida foi salva por conexões nas Forças Armadas, durante seu tempo como ministro da Justiça, no governo do ex-presidente Michel Temer (MDB). “Eu brinco com minha equipe de segurança que eu não poderia morrer”, ele disse. “O herói do filme tem que continuar.”
O repórter Jon Lee Anderson esteve no gabinete do ministro em duas ocasiões, uma antes e outra depois da apresentação da denúncia da PGR sobre a trama golpista. Consta na reportagem que “ele parecia mais relaxado” na segunda vez.
“A responsabilidade de cada pessoa agora tem que ser determinada no tribunal, porque é quando eles [acusados de tentativa de golpe] apresentarão sua defesa”, disse durante a entrevista. “Mas toda a narrativa de perseguição política, a alegação de inimizade pessoal, tudo isso entrou em colapso, porque não foi apenas a polícia federal que os acusou – o próprio procurador-geral decidiu prestar queixa.”
A “The New Yorker” aborda os atos de 8 de janeiro de 2023. “O maior risco era a possibilidade de um efeito dominó”, justificou Moraes à revista. “As forças policiais militares de outros estados – algumas das quais apoiavam Bolsonaro – também se rebelariam? Certos governadores apoiariam a tentativa de golpe?”
E continuou: “Eu tive que agir imediatamente, no meio da noite.” Segundo Moraes, as medidas tomadas – incluindo o afastamento do governador do Distrito Federal e a prisão de seu secretário de Segurança – enviaram uma mensagem clara para todo o país de que “não toleraremos caos no Brasil”. Moraes disse que havia risco à democracia e emendou: “ainda há”.
Moraes também falou sobre os ataques de Elon Musk e citou a publicação em que o bilionário o descreveu como “um cruzamento entre Voldemort e um Sith” – o vilão careca de “Harry Potter” e um vilão careca de “Star Wars”. “Ele misturou os dois e disse que sou eu”, disse Moraes, e riu, segundo a reportagem. “Para ser honesto, acho isso engraçado.”
Diz a “The New Yorker” que Moraes pareceu ofendido, no entanto, pela recusa de Musk em obedecer às suas ordens: “Como todas as outras empresas, esta deve cumprir a lei brasileira. Quem intensificou a desobediência foi a empresa sob o comando direto de seu maior acionista. E naquele momento Musk se tornou pessoalmente responsável também.”
A reportagem também cita a ação da Trump Media, do presidente americano Donald Trump, contra Moraes nos Estados Unidos. A empresa o acusa de censura por ter ordenado que a Rumble, plataforma de mídia social, removesse a conta de Allan dos Santos.
Moraes descreveu a ação como “completamente infundada”. E acrescentou: “Assim como não posso, aqui no Brasil, emitir uma decisão que determine algo nos Estados Unidos, nenhum juiz lá pode declarar que minha ordem no Brasil é inválida. Mas é uma manobra política, que acabou recebendo cobertura da imprensa.”. Clique AQUI para ver o texto na íntegra (em inglês). (Foto: reprodução redes sociais; Fontes: Leo Dias; BBC; Valor; The New Yorker)