O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação civil pública para que o Exército reserve cotas sociais e raciais nos concursos de admissão de alunos nos colégios militares.
Atualmente todas as vagas dos certames são destinadas à ampla concorrência. Mas, segundo o órgão, isso “contraria as ações afirmativas previstas em lei que buscam a promoção da igualdade de oportunidades para pessoas pretas, pardas, indígenas e com deficiência”.
O MPF pede que a Justiça determine a designação de percentuais mínimos das vagas nas unidades militares a candidatos que se enquadrem nesses perfis, segundo as normas em vigor para as instituições de ensino federais.
Conforme pedido do MPF, as vagas para ampla concorrência devem ser reduzidas, a princípio, a 40% do total. Conforme a legislação vigente, 5% dos postos em disputa seriam destinados a pessoas com deficiência, e outros 5% a quilombolas.
Os demais 50% seriam reservados a alunos egressos de escolas públicas, entre os quais devem ser aplicados percentuais proporcionais de pretos, pardos e indígenas, de acordo com a composição social da unidade federativa em que se situa o colégio, apurada pelo IBGE. Candidatos com deficiência também teriam direito a parte dessas vagas.
Na visão do Ministério Público, a recusa do Exército em adotar cotas para a seleção em colégios militares ancora-se em uma “interpretação literal e inconstitucional da Lei 12.711/2012, que instituiu o sistema de reserva das vagas na educação federal”.
Segundo a Força Armada, a legislação não abrangeria as unidades militares ao citar apenas instituições de ensino superior e técnico de nível médio. Porém, o MPF alega que, mesmo oferecendo educação básica em modalidade distinta das mencionadas na lei, os colégios vinculados ao Exército são mantidos com recursos da União e também estão submetidos aos princípios que regem as políticas de combate a desigualdades raciais e sociais.
“Quando editada uma lei prevendo, por exemplo, cotas para pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência, com vistas a corrigir tamanhos e históricos erros legislativos e sociais, não pode ela ser interpretada restritivamente, mas sim de acordo com os fins para os quais foi criada: reforçar o compromisso com a igualdade racial e reduzir o racismo e o capacitismo estruturais e, mais ainda, o racismo e o capacitismo institucionais”, disse a procuradora regional dos Direitos do Cidadão em São Paulo, Ana Letícia Absy, autora da ação do MPF.
“Em se tratando os Colégios Militares de instituições mantidas por instâncias federais, devem adotar a política de cotas em seu certame. Nada justifica que o governo federal tente promover a igualdade fática no ensino médio, superior e nos concursos públicos federais e exclua essa mesma política pública reparatória da camada que constitui a educação básica do país. Obviamente, a União é um só ente e não pode tratar desigualmente as pessoas de acordo com a fase estudantil em que se encontram”, completou.
A autora da ação justifica que a aplicação irrestrita das cotas em instituições de ensino federais, entre as quais os colégios militares, fundamenta-se na Constituição, na Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial (da qual o Brasil é signatário) e nos Estatutos da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010), do Índio (Lei 6.001/1973) e da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015).
Não há decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o assunto, mas para o órgão federal um julgamento da corte a respeito da reserva de vagas em concursos públicos para cargos nas Forças Armadas reforça esse entendimento.
De acordo com os ministros, as ações afirmativas também se aplicam a certames para carreiras militares, ainda que essa obrigatoriedade não esteja prevista expressamente na lei que instituiu a política de cotas em concursos federais (Lei 12.990/2014).
Além da adoção das cotas em concursos dos colégios militares, o MPF pede que o Exército institua uma comissão de heteroidentificação antes da publicação de qualquer edital de processo seletivo.
O grupo – formado por membros das unidades de ensino, das Secretarias de Educação municipais e estaduais e da Funai – será responsável por avaliar os casos em que a autodeclaração dos candidatos não for suficiente para legitimá-los a disputarem as vagas reservadas.
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