A Alemanha, conhecida por décadas como o “milagre econômico” da Europa, enfrenta uma crise que abala suas estruturas industriais e ameaça seu papel como motor do continente. Wolfgang Münchau, diretor da publicação EuroIntelligence e autor do livro Kaput: The End of the German Miracle (Kaput: o Fim do Milagre Econômico Alemão, em tradução livre), destacou em entrevista à BBC os fatores que levaram o país a essa situação.
O país não é mais o Exportweltmeister, o “campeão mundial de exportações”, como era conhecido nos mercados internacionais. a Alemanha chegou a ser o maior exportador do mundo. O gás russo fornecia combustível barato às suas indústrias, e a China era um grande parceiro comercial.
“Talvez o maior choque de todos tenha vindo da tecnologia”, diz Wolfgang Münchau. “A Alemanha de hoje tem uma das piores redes de telefonia celular da Europa. O fax ainda reina no Exército e nos consultórios médicos. E há muitas lojas que ainda só aceitam dinheiro em espécie.”
“Para dar um exemplo de como o país ficou para trás, no início os dirigentes da indústria automotiva alemã, em sua maioria homens, consideravam os carros elétricos brinquedos para meninas”, escreveu o autor.
Para Münchau, as bases do declínio foram lançadas há anos. “As piores decisões foram tomadas durante o longo reinado de Angela Merkel”, afirmou. Ele aponta que, na década de 2010, a Alemanha ampliou sua dependência do gás russo, negligenciou investimentos em infraestrutura digital e reforçou seu modelo econômico centrado em exportações. “É um modelo que, por diversos fatores, se tornou obsoleto.”
A indústria automotiva é um exemplo claro desse retrocesso para ele. O autor também ressalta que grandes nomes como a Volkswagen agora enfrentam desafios como o fechamento de fábricas no país, algo inédito em 87 anos de história.
Münchau destaca que, enquanto outras economias se diversificaram, a Alemanha permaneceu dependente de três setores principais: automotivo, químico e de engenharia mecânica.
Além da negligência tecnológica, questões geopolíticas no relacionamento com a China e a Rússia também impactaram a economia alemã. Segundo Münchau, “o sucesso da Alemanha no passado lançou as bases para sua crise atual”, criando uma dependência excessiva de mercados e tecnologias que já não dominam.
No campo político, a situação é igualmente complexa. O governo de coalizão liderado por Olaf Scholz entrou em colapso, deixando o país sem orçamento geral e forçando novas eleições para 2025. “Com uma Alemanha estagnada, não se pode contar com o mesmo nível de financiamento à União Europeia ou à guerra na Ucrânia”, alertou Münchau.
Embora o histórico do país mostre uma capacidade de superação, o autor é cético quanto ao futuro próximo. “Esta crise é diferente das anteriores. A Alemanha perdeu o século 21 em termos de revolução digital”, concluiu. O alerta de Münchau é claro: sem adaptação tecnológica e econômica, o outrora poderoso motor da Europa pode continuar patinando no cenário global.
Veja abaixo trechos da entrevista e clique AQUI para lê-la na íntegra. (Foto: Pixa Bay; Fonte: BBC)
BBC – A Alemanha tem hoje uma economia com crescimento muito baixo, ao qual ninguém está acostumado. O que vai acontecer na Europa?
Wolfgang Münchau – A Europa vai sofrer. A Alemanha foi seu motor de crescimento, mas agora uma Alemanha que não cresce está politicamente menos disposta a ter grandes programas de apoio à União Europeia (UE). O país é um grande contribuinte líquido para seu orçamento.
Mas não se pode contar com a Alemanha estagnada para financiar a UE da mesma forma que antes, e ela pode relutar em financiar a guerra na Ucrânia.
Porque se não há crescimento, não há margem fiscal para expandir o orçamento. Por isso, veremos decisões difíceis, e todas elas estão interligadas.
BBC – O que indica que “o milagre” acabou?
Münchau – Em termos de dados e estatísticas publicadas, podemos ver isso por volta de 2018. Mas tem sido um processo progressivo, cujas causas remontam a muitos anos atrás.
O que aconteceu com a Alemanha é que ela se tornou muito dependente de algumas indústrias, em especial da indústria automotiva. Isso é bastante raro.
A maioria dos países grandes, como Estados Unidos, China, Brasil ou Japão, possui indústrias diversificadas. Eles não dependem de um ou dois setores.