Cinco grandes organizações não-governamentais (ONGs) internacionais apresentaram na quarta-feira (12) uma queixa à Comissão Europeia (CE) sobre a Lei italiana 15/2023.
As ONGs que apresentaram a denúncia são: Médicos Sem Fronteiras (MSF), Oxfam Itália, SOS Humanidade, Associação de Estudos Jurídicos sobre Imigração (ASGI) e EMERGENCY.
Elas reclamam que a lei levanta ‘sérias preocupações’ quanto à sua compatibilidade com a legislação da União Europeia (EU) e as obrigações dos Estados-membros da UE em relação ao direito internacional e às atividades de busca e salvamento no mar.
“A Comissão Europeia é a guardiã dos tratados da UE e tem um papel a desempenhar para garantir que os Estados-membros respeitem as leis internacionais e da UE”, diz Giulia Capitani, consultora de política de migração da Oxfam Itália. “Ela deve defender e proteger os direitos fundamentais de todas as pessoas na Europa. No entanto, são as ONGs de busca e salvamento que preenchem o vergonhoso vazio no mar deixado pelos Estados-membros da UE. Ao invés de obstruir seu trabalho, os Estados- membros da UE devem envolvê-las na criação de um sistema adequado para as atividades de busca e salvamento”.
Em janeiro de 2023, o governo da primeira-ministra Giorgia Meloni (centro-direita) introduziu um novo decreto que se tornou lei em março.
A Lei 15/2023 proíbe que as embarcações de busca e salvamento realizem mais de uma operação ao mesmo tempo, já que os barcos devem navegar em direção ao local designado pelo governo para o desembarque.
Na prática, as embarcações não devem resgatar outros barcos a partir do momento que a ONG resgatar a primeira embarcação com imigrantes.
Além disso, a lei italiana também obriga os capitães a fornecerem informações às autoridades italianas sobre o resgate realizado. Segundo as ONGs, isso leva à solicitação de ‘informações excessivas’.
As ONGs questionam também a prática das autoridades de designar ‘portos distantes’ para o desembarque dos sobreviventes.
Segundo elas, esta política não está incluída em nenhuma legislação, mas tornou-se prática comum desde dezembro de 2022, com embarcações de busca e salvamento frequentemente recebendo locais de desembarque seguro no Norte e não no Sul da Itália, aumentando significativamente o tempo de viagem e limitando o tempo dos navios de resgate na zona de busca e salvamento.
As cinco ONGs que acionaram a Justiça da União Europeia acreditam que a combinação dessas medidas “impõe restrições injustificadas às operações de busca e salvamento e limita drasticamente a capacidade de salvar vidas no mar”.
“Todos os dias que passamos longe da região de busca e resgate, seja em detenção ou navegando em direção a um porto distante, estamos colocando vidas em risco”, diz o gerente de operações do ‘Médico sem Fronteiras’, Djoen Besselink.
“A lei tem como alvo as ONGs, mas o preço real será pago pelas pessoas que migram pelo Mediterrâneo e se encontram em perigo nos barcos.”
A MSF também critica que o aumento do tempo de viagem para locais seguros no Norte da Itália e que a medida ‘traz riscos físicos e mentais’ para as pessoas resgatadas a bordo.
“Atribuir locais de segurança a mais de 1.000 km de distância de um resgate prejudica o bem-estar físico e psicológico dos sobreviventes”, diz Josh1, capitão do navio de resgate Humanity 1 da SOS Humanity.
“As 199 pessoas que resgatamos recentemente, incluindo mulheres grávidas e bebês, foram obrigadas a percorrer cerca de 1.300 km para desembarcar na Itália, embora outros portos italianos estivessem muito mais próximos”, afirma.
“As pessoas resgatadas vêm de países afetados por guerras, mudanças climáticas e violações dos direitos humanos”, diz o coordenador de suporte à vida da embarcação de resgate da EMERGENCY, Carlo Maisano.
O aumento das distâncias também tem um impacto negativo nas próprias ONGs. “A prática de designar portos distantes aumenta os custos de combustível e esgota nossos orçamentos limitados, impactando nossa capacidade de salvar vidas no futuro”, diz Maisano.
Em 23 de fevereiro de 2023, a Lei 15/2023 (que ainda era um decreto-lei na época) foi aplicada pela primeira vez quando a Autoridade Portuária de Ancona notificou MSF com uma ordem de detenção para o seu navio de 20 dias e, eventualmente, uma multa de € 5.000.
As penalidades foram impostas à organização porque ela não forneceu informações específicas. O ‘Médico Sem Fronteiras’ se defende que tais informações nunca foram solicitadas antes, o que impedia saber com antecedência o que seria requisitado para poder repassar tão logo o governo pedisse.
Desde então, as autoridades italianas detiveram quatro outras de resgate: o Aurora2, o Louise Michel, o Sea-Eye 43 e o Mare*Go4, por um período de 20 dias cada por violação da Lei 15/2023.
“Isso soma um total de 100 dias perdidos de operação dos navios de regaste humanitário, enquanto travessias perigosas e naufrágios no Mediterrâneo Central continuam.”, reclama a organização.
MSF, Oxfam Itália, SOS Humanity, ASGI e EMERGENCY pedem que a Comissão Europeia (CE) coloque a Lei 15/2023 da Itália e sua prática de designar portos distantes sob escrutínio imediato.
“Como guardiã dos tratados da União Europeia (UE), é responsabilidade da CE garantir que os Estados-membros da UE cumpram a legislação e parem de obstruir o trabalho de salvamento de ONGs de busca e resgate. As ONGs devem ser incluídas nas operações de busca e salvamento lideradas e realizadas de maneira proativa pelas autoridades no Mar Mediterrâneo Central.”, finaliza.
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