Decano do Supremo Tribunal Federal, o ministro Gilmar Mendes concedeu entrevista ao jornal ‘O Estado de São Paulo’, publicada neste domingo (23), na qual discorreu sobre diversos assuntos.
Mendes afirma que o relatório da Polícia Federal, que embasou a denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o ex-presidente Bolsonaro pelos crimes de: “tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito”, aponta uma coordenação intensa e “proximidade, inclusive, de execução”.
Mendes também critica a tolerância do Exército com os acampamentos em frente aos Quarteis Generais que, em sua avaliação, estão diretamente ligados à articulação do suposto ‘golpe’, como sustentado na peça acusatória apresentada pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet. “Foram eles que deram assentimento, forneceram luz, forneceram água para essas pessoas”, afirma.
Sobre a ‘PL da Anistia’, o Ministro do STF afirma que a proposta não deve prosseguir na ‘vida jurídica’. Segundo ele, os crimes imputados aos condenados não poderia ser contemplados em um PL da Anistia. Veja trechos da entrevista a seguir e clique AQUI para ler na íntegra. E clique AQUI para apoiar nosso trabalho!
Estadão: Nesta semana, o ex-presidente (Bolsonaro) declarou que já há votos suficientes para aprovar o projeto de anistia, que beneficiaria tanto a ele quanto os envolvidos nos atos de 8 de janeiro. Como o senhor avalia essa iniciativa, que pode ser aprovada pelo Congresso?
Mendes: Entendo o debate como um debate político. Não vejo nenhuma perspectiva disto frutificar. Em alguns casos, inclusive, são crimes que sequer poderiam ser contemplados por anistia. São crimes muito próximos do terrorismo, contra o próprio Estado de Direito, e não deveriam ser contemplados por anistia.
Não vejo condições para que esse debate prossiga na vida jurídica, mas entendo a perspectiva política, a ideia de falar-se em exagero judicial, de tentar minimizar os fatos do 8 de janeiro. Nós não podemos nunca esquecer esses fatos e seus contextos.
No dia 12 de dezembro, nós tivemos aquelas manifestações em Brasília, carros queimados. Naqueles dias, nós tivemos o episódio do aeroporto em Brasília, em que um caminhão-tanque com gasolina carregava também bombas. Nós tivemos esses assentamentos em frente a quartéis. Você sabe tanto quanto eu que não pode haver liberdade de reunião em frente a quartéis, como não pode haver liberdade de reunião em frente a hospitais, por razões diferentes.
Essas pessoas ficaram assentadas desde novembro até 8 de janeiro em frente a quartéis e depois desceram para tomar a Praça dos Três Poderes. Não são fatos desconexos; tudo isso guarda uma conexão.
E agora temos esse debate sobre a própria articulação do golpe, minutas do golpe, estado de defesa, discussões a propósito de GLO [Garantia da lei e da ordem]. Tudo isso está num contexto mais amplo e é preciso vê-lo dessa maneira e não fazer separação ou fatiamento desses fatos.
Estadão: O relator da OEA para Liberdade de Expressão afirmou que os relatórios produzidos por alguns parlamentares sobre decisões do STF são ‘impressionantes’. Durante sua visita ao Brasil, ele também se encontrou com Bolsonaro, que fez duras críticas à atuação do ministro Moraes e da Corte, alegando, entre outros pontos, perseguição política. O senhor teme que, no cenário internacional, possa haver uma percepção equivocada sobre a conduta do Supremo nesses casos?
Mendes: Não vejo essa possibilidade. Todos sabem que vivemos num ambiente da mais ampla liberdade de expressão. O que se discute é como ter algum tipo de controle e responsabilidade das redes sociais. Não é um debate que existe apenas no Brasil; ele existe nos Estados Unidos, ele existe na Europa. O que fazer para que as big techs tenham algum tipo de responsabilidade? E esse é um jogo de tentativa e erro. Não acho que haja nenhum comprometimento da liberdade de expressão no Brasil. Certamente, todos nós gozamos da mais ampla liberdade de expressão, sejam setores de situação, sejam setores mais ou menos neutros, sejam setores de oposição. (Foto: STF)