Não é provável que a América do Sul tenha um bloco de moeda comum para rivalizar com o euro tão cedo, disseram analistas internacionais ouvidos pela agência de notícias Reuters, apesar das conversas ‘animadas’ entre as comitivas de Lula (PT) e Fernández.
Ontem (23), o petista e o presidente da Argentina, Alberto Fernández, disseram que estavam em negociações iniciais para estabelecer uma unidade compartilhada de valor para o comércio bilateral, embora isso não substitua as moedas Real ou Peso.
Isso aconteceu depois que ambos anunciaram uma “moeda sul-americana comum” no domingo e autoridades dos dois países disseram ao jornal inglês Financial Times que a proposta poderia até ser chamada de “Sur” ou “Sul” e, eventualmente, procurar atrair outros países da América do Sul.
Os analistas foram rápidos em desacreditar isso, após décadas de conversas semelhantes, incluindo planos arquivados para um chamado “gaúcho” para o comércio Argentina-Brasil, em 1987, e do ex-ministro Paulo Guedes.
Nota: o ministro Guedes chegou a falar sobre seu interesse em uma moeda única na América do Sul nos moldes do Euro. Guedes acreditava que esse era um processo natural nos mercados financeiros pelos continentes. Além disso, entendia que poderia ser benéfico para a região, que teria uma moeda mais robusta à disposição de economias frágeis como Venezuela e a própria Argentina. Assim, poderia beneficiar indiretamente ao Brasil, com vizinhos com mais capacidade financeira para parcerias econômicas. Entretanto, o Ministro apenas citou isso em um evento do governo federal, mas não apresentou nenhum plano para a realização da ideia.
“Estou muito cético de que essa iniciativa verá a luz do dia”, disse Alejo Czerwonko, diretor de investimentos para mercados emergentes das Américas do UBS Global Wealth Management, citando o histórico ruim da região em integração econômica. “Ele falhou em alcançar objetivos de integração mais simples do que uma moeda comum.”
Uma licitação comum, como o Euro, precisaria de estruturas e instituições políticas compartilhadas que, segundo analistas, levariam décadas para serem estabelecidas. Os países da América do Sul têm situações econômicas muito diferentes – a Argentina, por exemplo, lutou contra a inflação por muito tempo e atualmente está com uma taxa anual de 95%.
A Venezuela – cujo presidente Nicolás Maduro disse na segunda-feira que seu país estava preparado para apoiar uma iniciativa como uma moeda comum – sofreu com uma hiperinflação ainda maior e com o colapso econômico. Outras economias sul-americanas, incluindo Uruguai e Chile, estão mais estáveis há muito tempo.
“Tem sido uma conversa por muitos anos. Vejo o benefício para a Argentina, mas o que há para o Brasil? Muito menos para o Uruguai e o Paraguai”, disse Eric Farnsworth, vice-presidente do Conselho das Américas e da Americas Society. Ele chamou a ideia de uma união monetária de “fantasia”.
Kimberley Sperrfechter, economista de mercados emergentes da Capital Economics, disse que Lula, empossado neste mês, tem outras coisas em que se concentrar, incluindo seus planos econômico e fiscal. A conversa sobre a união monetária foi apenas uma distração, disse ela.
“É provável que os mercados não fiquem impressionados com as notícias de uma moeda combinada, até porque levará anos para ser implementada, se é que será implementada”, disse ela.
Enquanto isso, na Argentina, as eleições gerais de outubro podem levar Fernández de centro-esquerda derrubado por uma oposição conservadora ressurgente, provavelmente prejudicando qualquer plano cambial de longo prazo entre os dois aliados de esquerda.
Todd Martinez, diretor do grupo soberano da Fitch Ratings focado na América Latina, disse que os dois países parecem ser parceiros improváveis para formar uma união monetária bem-sucedida, dadas suas economias divergentes.
Hasnain Malik, chefe de pesquisa de ações da Tellimer, concordou, enfatizando que fazia ainda menos sentido para o Brasil – a maior economia da região, com uma moeda que superou o dólar no ano passado. O peso da Argentina, por outro lado, caiu apesar dos rígidos controles cambiais.
“Para o Brasil em particular, apesar de seus próprios desafios de credibilidade política, ninguém sabe por que deseja se vincular a um vizinho menor com um histórico tão duvidoso de credibilidade política”, disse ele em nota.
Mas alguns estavam mais otimistas sobre o potencial de longo prazo. “O processo de integração da América Latina precisa de uma Estrela do Norte – e esta é a melhor possível. Porque criaria um mercado único maior e melhores condições de negociação com outros grandes blocos”, escreveu Pierpaolo Barbieri, chefe da empresa argentina de pagamentos digitais Uala, em Twitter.”É claro que uma união monetária entre Brasil e Argentina é irrealista hoje.”