Pouco mais de 24 horas após conversar, ao telefone, com o presidente Jair Bolsonaro, o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, criticou a “neutralidade” do líder brasileiro diante da invasão de seu país pela Rússia em entrevista à Rede Globo. Ele exigiu uma posição brasileira e comparando a atitude do presidente com a de líderes que permaneceram neutros durante o início da Segunda Guerra Mundial.
Zelenski deu detalhes da conversa telefônica que teve com o colega brasileiro. “Ontem eu falei com o presidente Bolsonaro e sou grato a ele por essa conversa. Não foi a minha primeira conversa com o presidente do Brasil. Eu não apoio a posição dele de neutralidade. Eu não acredito que alguém possa se manter neutro quando há uma guerra no mundo”, afirmou Zelenski durante entrevista à TV Globo divulgada nesta terça-feira (19).
“Na Segunda Guerra Mundial, muitos líderes ficaram neutros num primeiro momento. Isso permitiu que os fascistas engolissem metade da Europa e se expandissem mais e mais, capturando toda a Europa. Isso aconteceu por causa da neutralidade. Ninguém pode ficar no meio do caminho, ninguém pode dizer ‘vou ser um mediador’. Mediador de quê? Um mediador na guerra? Entre quem?”, argumentou o ucraniano.
“Posição do Brasil”
“A guerra não é entre a Ucrânia e a Rússia, é a guerra da Rússia contra o povo ucraniano. Porque, mais uma vez, eles estão no nosso território. Nós não chegaremos a um meio-termo porque um país declarou guerra contra o outro. Não. Um país capturou uma parte do nosso território há oito anos”, disse Zelenski, fazendo referência à anexação da Crimeia pela Rússia em 2014.
“E nessa época havia muitas pessoas que queriam ser mediadoras e permanecer neutras. Por causa disso, permitiram, desde 2014, que a Rússia lançasse essa segunda onda de invasão, e eles estão invadindo outras partes. Esse é o significado de ‘neutralidade’. Portanto, eu não apoio essa posição. Eu disse isso para o presidente: ‘Preciso de uma posição do Brasil'”, acrescentou.
“Se fosse com o Brasil….”
“Precisamos do apoio que mencionei ontem ao presidente. Eu disse para ele: ‘Queremos o apoio do Brasil’. Eu disse: ‘Se amanhã alguém atacar vocês, não ficaremos neutros, independentemente do histórico da nossa relação com esse país que venha a violar a sua soberania. Se alguém capturar a sua terra, matar o seu povo, estuprar as suas mulheres, torturar as suas crianças, como poderei dizer que sou neutro? Eu não tenho esse direito, esse é o mundo moderno’. Escolhendo a neutralidade, permitimos ao senhor Putin pensar que não está sozinho neste mundo, só isso. E as outras coisas, relações comerciais, são secundárias”, afirmou Zelenski.
“Quero acreditar”
Respondendo a uma pergunta sobre a conversa com Bolsonaro, o ucraniano disse que o brasileiro afirmou apoiar “a soberania e a integridade territorial da Ucrânia”. “Eu quero acreditar nisso. Ele me falou assim: ‘o Brasil realmente compreende a dor do que está acontecendo com vocês, mas a nossa posição é neutra'”, relatou Zelenski.
Trigo x Petróleo
Na segunda-feira (18), Bolsonaro conversou ao telefone com Zelenski. Foi a primeira ligação telefônica entre ambos desde o começo da guerra, em 24 de fevereiro. O presidente ucraniano afirmou no Twitter que ambos falaram sobre medidas para desbloquear as exportações de trigo da Ucrânia, cujo escoamento está prejudicado pela invasão russa.
Bolsonaro e o ministro das Relações Exteriores, Carlos França, disseram que o Brasil quer comprar o “máximo de diesel possível” da Rússia, e que um acordo estaria sendo negociado com o país para adquirir o combustível a um preço mais baixo, em dois meses. No último domingo, Bolsonaro afirmou que essas negociações estavam bastante avançadas.