Por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu o “contingenciamento” das receitas que integram o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo Clima) e determinou ao governo federal que adote as providências necessárias ao seu funcionamento, com a consequente destinação de recursos. O STF reconheceu, ainda, a “omissão da União” devido à não alocação integral das verbas do fundo referentes ao ano de 2019. Indicado pelo presidente Bolsonaro, o ministro André Mendonça acompanhou o relator (veja placar abaixo).
A decisão se deu, em sessão virtual finalizada em 1º/7, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 708, ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) e pela Rede Sustentabilidade.
Decisão deliberada
Em seu voto pela procedência do pedido, o relator, ministro Luís Roberto Barroso, afirmou que os documentos juntados aos autos “comprovam a efetiva omissão da União”, durante o ano de 2019 e parte de 2020. Segundo ele, informações da Comissão de Meio Ambiente do Senado revelam que a não alocação dos recursos foi uma “decisão deliberada do Executivo”, até que fosse possível alterar a constituição do Comitê Gestor do fundo.
Vinculação
O relator assinalou também que deve ser vedado o contingenciamento dos recursos do fundo, pois a destinação desses instrumentos conta com a apreciação e deliberação não apenas do Executivo, mas também do Legislativo. “O Executivo não pode simplesmente ignorar as destinações determinadas pelo Legislativo, a seu livre critério, sob pena de violação ao princípio da separação dos Poderes”, destacou.
Aumento do desmatamento
Ainda para o relator, a vedação ao contingenciamento não se justifica em razão do grave contexto ambiental brasileiro, ressaltando o dever constitucional de tutela ao meio ambiente (artigo 225 da Constituição Federal). Ele citou que, em 2021, o desmatamento “aumentou mais de 22% e alcançou uma área de 13.235 km²”, a maior em 15 anos, representando aumento de 76% no desmatamento anual em relação a 2018. Segundo Barroso, os resultados apurados indicam que o país caminha no sentido contrário aos compromissos internacionais assumidos e à mitigação das “mudanças climáticas”.
Nunes Marques
Único a divergir, o ministro Nunes Marques votou pela improcedência do pedido. Ele não constatou a alegada omissão da União, pois, a seu ver, o Fundo Clima é apenas um dos vários instrumentos à disposição da administração pública para execução da política de proteção ao meio ambiente, a qual tem sido realizada por atuação “primeira, integrada e consistente” dos Ministérios do Meio Ambiente, da Defesa e da Ciência, Tecnologia e Inovações, entre outros.
Ele também apontou que em anos anteriores, o “contingenciamento do fundo” não foi questionado: “Aliás, lembro que, de acordo com as informações do Ministério do Meio Ambiente, houve contingenciamento de repasses ao BNDES no período entre 2013 e 2016, inexistindo qualquer execução orçamentária com o código de ação 00J4, que traduz “Financiamento Reembolsável de Projetos para Mitigação e Adaptação à mudança do Clima”.
Outra preocupação do ministro é com a transparência do uso da verba, uma vez que a participação do fundo envolve entidades fora da política; “E, assim, na medida em que o Fundo Clima destina verbas públicas para projetos a serem levados a cabo por organizações não-governamentais, surge aí também a necessidade de transparência na gestão e uso de tais verbas”.
E assim finaliza Nunes Marques o seu voto: “Não me parece prudente, portanto, que o Judiciário possa se substituir, com as mais respeitosas vênias ao eminente Relator, ao Executivo. Tenho que o Judiciário, como já tive oportunidade de destacar outras vezes, deve agir com prudência e autocontenção, em respeito ao Princípio da Separação dos Poderes e ao sistema de checks and balances. Não constato, portanto, a alegada omissão, visto que o “Fundo Clima” é apenas um dos vários instrumentos à disposição da Administração Pública para execução de política pública de proteção ao meio ambiente, a qual, aliás, tem sido realizada por atuação primeira, integrada e consistente do Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Defesa, Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, entre outros”.