O corregedor nacional de Justiça, Luís Felipe Salomão, decidiu afastar do Judiciário a ex-titular da ‘13ª Vara de Curitiba’ Gabriela Hardt e outros três magistrados que atuam no Tribunal Regional Federal da quarta região, o TRF-4, por supostamente “burlar a ordem processual, violar o código da magistratura, prevaricar e até burlar decisões do Supremo”. A informação foi revelada inicialmente pelo G1 e confirmada por outros veículos, como a Folha de SP.
A juíza Gabriela Hardt, da 13ª Vara Federal de Curitiba, substituiu Sergio Moro (quando virou Ministro da Justiça) condenou Lula (PT) a 12 anos e 11 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, na ação penal que envolve o sítio Santa Bárbara, em Atibaia. (relembre abaixo)
A avaliação do ministro se refere à conduta e ações da magistrada ante a ‘gestão caótica de valores provenientes de acordos de colaboração e de leniência’ no bojo da Lava Jato.
O afastamento do juiz Danilo Pereira Júnior e dos desembargadores Carlos Eduardo Thompson Flores e Lenz Loraci Flores De Lima se deu no bojo de Reclamação ligada ao procedimento administrativo disciplinar que declarou a suspeição do juiz Eduardo Appio (veja mais no fim da reportagem).
Em sua decisão sobre Gabriela, Salomão cita “infrações administrativas graves” e “fortes indícios de faltas disciplinares e violações a deveres funcionais da magistrada” sobre a atuação de Hardt na Lava Jato, para justificar o afastamento.
A decisão de Salomão deverá ser analisada na sessão de terça-feira (16) do CNJ. Para o mesmo dia, foi pautada a análise da correição da Lava Jato e a reclamação disciplinar aberta contra Hardt e contra o hoje senador Sergio Moro.
Pelo acordo homologado por Hardt, alvo de questionamento por congressistas do PT no CNJ, cerca de R$ 3,5 bilhões de multas e indenizações a serem pagas pela Petrobras a órgãos dos EUA seriam destinados ao Brasil, e uma fundação privada ficaria encarregada de gerir o uso desses recursos.
O acordo foi suspenso ainda em 2019 pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, com determinação para bloqueio dos valores depositados pela Petrobras, a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR).
“Destarte, constatou-se um conjunto de atos comissivos e omissivos singulares que são efetiva e essencialmente anômalos (quem, em sã consciência, concordaria em destinar bilhões de reais de dinheiro público para uma fundação privada, de maneira sigilosa e sem nenhuma cautela), sendo que tais ações da reclamada, de uma maneira ou outra, culminariam na destinação do dinheiro para fins privados, o que só não ocorreu por força de decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal”, disse Salomão.
Conforme o corregedor, a correição na vara da Lava Jato identificou “diversas irregularidades e ilegalidades ocorridas nos fluxos de trabalho” desenvolvidos durante diversas investigações e ações penais da Operação.
Ainda para o corregedor, Hardt é suspeita de ter atuado em ‘desacordo’ com normas previstas na Loman (Lei Orgânica da Magistratura Nacional) e no Código de Ética da Magistratura.
Entre essas normas está “pautar-se no desempenho de suas atividades sem receber indevidas influências externas e estranhas à justa convicção que deve formar para a solução dos casos que lhe sejam submetidos”. Outras delas falam sobre imparcialidade e prudência dos magistrados.
Salomão afirma que a Lava Jato atuou para “auxiliar autoridades americanas a construírem casos criminais em face da Petrobras com interesse no retorno de parte da multa que seria aplicada”.
O ministro considera grave o fato de Hardt ter homologado acordo com a Petrobras após negociação fora dos autos com o Ministério Público Federal “por meio de conversas por aplicativo de mensagens”, o que foi, segundo ele, admitido pela juíza em depoimento prestado à corregedoria.
“Este concerto, ao que tudo indica, fazia parte da estratégia montada para que os recursos bilionários obtidos a partir do combate a corrupção (acordos de colaboração, leniência, apreensão de bens e cooperações internacionais), fossem desviados para proveito da fundação privada que estava sendo criada”, diz a decisão.
Salomão afirma na decisão que o afastamento de Hardt “contribui para o bom andamento das apurações administrativas e, eventualmente, judiciais, que delas decorrerão, posto que afastada a possibilidade de a reclamada exercer indevida influência ou vulneração de provas e manipulação de dados”.
O ministro afirmou, em sua decisão, que Hardt pode também ter incorrido em crimes previstos em três artigos do Código Penal. Um deles prevê punição a funcionário público por apropriação do dinheiro público em razão do cargo.
O segundo diz respeito à sanção por “praticar, deixar de praticar ou retardar ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem”.
O último tipifica crime de “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.
À CNN, a juíza Gabriela Hardt disse que não iria se manifestar. Até o momento, o Senador Sergio Moro não comentou o afastamento.
A auditoria
A auditoria que culminou no afastamento da juíza Gabriela Hardt teve início em maio de 2023, na 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, onde tramitam os processos da Lava Jato. Segundo reportagem da CNN, foram mais de 30 reclamações a respeito de juízes e desembargadores que atuavam nos processos da operação.
Uma delas foi o do juiz afastado da 13ª Vara, Eduardo Appio, que pediu ao CNJ a auditoria da jurisdição. Ele foi afastado cautelarmente do cargo pelo TRF-4 em 22 de maio, após uma denúncia de Marcelo Malucelli, que apontou que Appio fez uma ligação telefônica ao filho dele, João Eduardo Barreto Malucelli, com “ameaças”. Ao ser desligado das funções, ele disse que pediria auditoria.
Em setembro do ano passado, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, anulou o processo por avaliar que o entendimento do TRF-4 ‘não levou em conta as hipóteses previstas no Código de Processo Penal’. Na ocasião, o ministro determinou a remessa do caso ao CNJ, para apuração.
Appio assumiu o comando da 13ª Vara Federal de Curitiba, berço da Operação Lava Jato, no início de fevereiro. Ele tem mais de 20 anos de trabalho na Justiça Federal e é crítico da atuação do ex-juiz Sergio Moro no âmbito da Lava Jato. (Foto: reprodução vídeo; Fontes: CNN; G1; Folha de SP; Estadão)