Sem grande divulgação, o Tribunal de Contas da União (TCU) irá julgar nesta quarta-feira (3) um controverso acordo entre a Oi, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e o Ministério das Comunicações, onde o setor público está abrindo mão de até 17 bilhões de reais. A reportagem é da revista piauí.
O caso tramita há um ano no TCU sob sigilo, mas a publicação teve acesso a dois documentos: um parecer da procuradora-geral do Ministério Público junto ao tribunal (MP-TCU), Cristina Machado, e um relatório da unidade de auditoria especializada em telecomunicações. Ambos os documentos apontam irregularidades no acordo, sugerindo que a negociação pode representar “uso indevido de recursos públicos para atender a interesses privados”.
A negociação prevê que a Oi migre do regime público de concessão de telefonia fixa (com obrigações de universalização e continuidade, financiadas por tarifas) para o regime privado de autorização (com preços livres e redução nos custos operacionais).
Segundo a reportagem, isso significa que a empresa não será mais detentora de uma concessão pública. De acordo com a lei, portanto, a Oi deveria devolver à União os chamados “bens reversíveis” – ativos como prédios, veículos e infraestrutura – que lhe foram cedidos na época da privatização, em 1998, quando a empresa ainda se chamava Telemar. Pelo acordo atual, a Oi permanecerá com esses bens e, em troca, pagará à Anatel 5,8 bilhões de reais em forma de investimentos em infraestrutura de telecomunicações.
No entanto, os 5,8 bilhões de reais representam um valor muito inferior ao inicialmente calculado pela Anatel, que variava entre 19,92 bilhões e 23,26 bilhões de reais, conforme as apurações realizadas pelo TCU antes das negociações do acordo. A procuradora Cristina Machado escreveu que os 5,8 bilhões representam “uma redução de quase 75% do valor econômico avaliado pela Anatel para a adaptação”.
Ainda segundo a piauí, para a procuradora o valor do pagamento “foi definido de forma pragmática, sem base em uma metodologia de cálculo devidamente fundamentada”. Ela afirma que “a drástica redução verificada” não encontra respaldo na Lei Geral das Telecomunicações, que não contempla a possibilidade de “modulação, desconto, parcelamento ou aplicação de condicionantes”. A minuta do acordo já foi aprovada pelo Ministério das Comunicações e pela Anatel, faltando apenas a aprovação do TCU.
Dentro do tribunal, o único apoio ao acordo veio de uma nova secretaria criada pelo atual presidente do TCU, ministro Bruno Dantas: a SecexConsenso. A pasta foi criada com a função de mediar litígios complexos entre a administração pública e empresas.
Os críticos argumentam que a nova função de produzir consensos desvia o tribunal de sua missão principal, que é a fiscalização, e cria um potencial conflito: o órgão que fiscaliza o uso do dinheiro público torna-se o mesmo que negocia o uso desse dinheiro com os fiscalizados.
Nas negociações do acordo, para chegar aos 5,8 bilhões, a SecexConsenso fez o seguinte cálculo: estimou em 19,73 bilhões o valor que a Oi deve à União e subtraiu desse número 12,97 bilhões, referentes aos bens reversíveis não amortizados (ou seja, investimentos da concessionária que ainda não foram ressarcidos). Além disso, subtraiu outros 2,47 bilhões, referentes aos custos da Oi de manutenção das redes de telefonia fixa. Com essas duas deduções, o valor cairia para 4,28 bilhões de reais. Os negociadores, porém, sem explicação clara, fixaram o valor em 5,8 bilhões, conforme a piauí.
A procuradora do Ministério Público rebateu o desconto maior: “A parcela de 12 bilhões de reais de bens reversíveis não amortizados que seriam devidos à Oi ao final da concessão (…) não corresponde ao valor que a União abriria mão com a concretização da adaptação por esta solução consensual, totalizando 101 bilhões de reais, conforme informado pela Anatel no mesmo documento, reforçando a pertinência de manter a discussão sobre bens reversíveis nas instâncias competentes, inclusive no Tribunal.” Os 101 bilhões a que ela se refere são de um cálculo anterior feito pela Anatel sobre os valores dos bens reversíveis da Oi, conta essa que foi desconsiderada no acordo.
O modelo adotado na negociação, segundo o Ministério Público, “impacta de forma desequilibrada e negativa o erário” e “beneficia o particular de modo injustificado e indevido, em detrimento do patrimônio público, na medida em que são admitidos como de sua propriedade infraestrutura que envolve cifras bilionárias”.
Por particular, no caso, entenda-se não só a Oi, mas também a V.tal, a empresa de telecomunicações de propriedade do BTG Pactual, o maior banco de investimentos do país, liderado por André Esteves, que é credora da Oi. O acordo proposto permitirá, se aprovado, transferir a propriedade definitiva dos bens reversíveis para a Oi, que, a partir daí, poderá fazer com eles o que bem entender — como, por exemplo, vendê-los à V.tal.
Como credora da Oi, a V.tal assumirá o compromisso de realizar 5 bilhões dos investimentos, dos 5,8 bilhões totais. Isso quer dizer que, no acordo da Oi, 86% dos recursos serão providos pela empresa que pertence ao banco de André Esteves. Com um detalhe: a responsabilidade, em caso de inadimplência, será somente da Oi. A V.tal “não poderá ser responsabilizada, em nenhuma esfera independentemente da natureza da infração, pelas obrigações da Oi”. A auditoria especializada considerou essa situação irregular. (Fonte: revista piauí)